O mais novo capítulo da série "Carros que amamos" vem do diretamente da Bahia. O ótimo Maico Rian traz um grande descritivo sobre o McLaren MP4/18, aquele que seria o carro da equipe inglesa para a temporada 2003....curtam!
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MCLAREN MP4/18
por Maico Rian
McLaren MP4/18, a história de um
carro tão problemático que sequer estreou e que serviria de base para um carro
tão problemático quanto e seria embrião de uma das maiores sacadas da década
passada da categoria.
O início já deixaria claro o quão problemático o carro seria. Em
novembro de 2002, a McLaren diria que faria o mesmo passo que a Ferrari: só
estrearia o seu novo bólido ao decorrer do campeonato devido ao atraso no seu
desenvolvimento por conta de diversos fatores revolucionários (a Ferrari
correria com o F2002, já que estava em um profundo desenvolvimento para o
F2003-GA junto à Sachs dos amortecedores rotativos na parte traseira).
Por incrível que pareça, desde os testes de inverno, o carro de 2002,
com muitas atualizações, o MP4/17D, se provou competitivo em todos os momentos,
deixando o escocês David Coulthard confiante e tranquilo à respeito do
adiamento do modelo MP4/18, onde a equipe sempre reafirmara que o carro era um
''grande passo à frente'' em relação ao seu antecessor.
— Lembro que no
início do projeto tivemos uma reunião com Neil Oatley, o encarregado do carro
atualizado, e sua explicação foi que estávamos adotando uma abordagem bem
radical e extrema na construção e desenvolvimento aerodinâmico do MP4/18 e que
isso valeria muito a pena a ser feito. Afinal, se quiséssemos alcançar a
Ferrari, teríamos que ir muito além do que as abordagens convencionais.
Portanto, era perfeitamente razoável esperar com bastante expectativa acerca
desse projeto. — Mark Priestley, ex-engenheiro da McLaren.
O MP4/17D se mostrou competitivo ainda no Grande Prêmio da Austrália, na
abertura do campeonato, já que David Coulthard ganharia a prova. E tudo ficaria
ainda melhor com a vitória de Kimi Raikkonen no Grande Prêmio da Malásia, a sua
primeira vitória na carreira. Além disso, quase venceu a terceira (o Grande
Prêmio do Brasil), quando Raikkonen perdeu a corrida para a Jordan de
Fisichella devido ao prematuro encerramento da prova após os acidentes da
Jaguar de Mark Webber e da Renault de Fernando Alonso.
Era um início de campeonato praticamente perfeito da McLaren, enquanto a
Ferrari e Michael Schumacher patinavam com o F2002 (o alemão teve problemas com
as bargeboards se soltando na Austrália, teve sua corrida bastante prejudicada
ao acertar a Renault de Trulli ainda na largada na Malásia e abandonar a prova
após um acidente na curva do Sol no Brasil). Nesse mesmo intervalo, enquanto o
chassi MP4/18 era reprovado duas vezes no teste de impacto, os dois pilotos da
McLaren estavam na liderança do campeonato com o antigo modelo atualizado até a
estréia da Ferrari F2003-GA, no Grande Prêmio da Espanha.
Esse sucesso inicial do modelo antigo levou Ron Dennis a dizer que a
McLaren estava em uma posição "de ser ainda mais seletiva" acerca de
quando lançaria o MP4/18, já que ainda não havia sido revelado em público. A
McLaren disse que continuaria desenvolvendo o MP4/17D, que foi seguida por uma
declaração depois do Grande Prêmio do Brasil afirmando que o desenvolvimento do
novo estava atrasado e detalhes de um "lançamento discreto" do
modelo seriam revelados no próximo mês - o que significaria final de abril.
Isso não aconteceu. E, a partir daí, vieram mais um novo anúncio de adiamento
da estréia do modelo: já em Ímola, no Grande Prêmio de San Marino, Dennis
afirmaria que o MP4/18 não estrearia "nem no Canadá nem em
Silverstone", dando à McLaren uma janela entre meados de junho e meados de
julho para uma maior preparação para a estreia oficial do novo carro
Mas, com a estreia da F2003-GA, acabou tirando a McLaren da zona de
conforto e fez David Coulthard pressionar a equipe para acelerar o
desenvolvimento do MP4/18, para estreá-lo na pista o mais rápido possível. Enfim,
no dia 20 de maio, o MP4/18 vai à pista com o austríaco Alexander Wurz, no circuito
de Paul Ricard, na França. Newey desenvolveu um conceito na traseira
completamente extremo, o que serviria como base até para o desenvolvimento dos
carros atuais.
O carro vinha com o conceito máximo de difusor soprado, algo ainda mais
eficiente que o esquema do escapamento da Ferrari F2002, que direcionava o
fluxo de ar para a saída na parte superior das laterais. O conceito da McLaren
MP4/18 buscava soprar diretamente no canal central do difusor. Isso é a base do
conceito do difusor soprado que conhecemos hoje em dia, justamente
incrementando downforce traseiro enquanto o carro acelerava. Foi iniciado pela
Renault em 1983 no RE40 e foi consagrado por Adrian Newey na Red Bull, com o RB6 (2010)
e RB7 (2011).
Contudo, essa solução gerava um efeito colateral desastroso: ao frear,
simplesmente acontecia no carro uma perda repentina desse downforce traseiro
nas freadas, prejudicando todo o equilíbrio do carro em si e deixando-o
completamente imprevisível na pista. No dia 7 de Junho daquele ano, em
Barcelona, Räikkönen teve problemas num dos testes onde houve uma falha no
carro e subitamente ele perdeu o controle do mesmo, danificando o único chassi
existente. Dez dias depois, em Jerez, aconteceria o mesmo com Wurz, danificando
também o chassi. Os dois pilotos saíram sem ferimentos mais sérios, embora a McLaren
tenha culpado os dois pilotos na ocasião pelos incidentes. As declarações em
público da McLaren alegavam que o carro era rápido, mas não confiável. Contudo,
nos bastidores, Newey havia descoberto que tinha um "filho
problemático" em suas mãos e que o MP4/18 era aerodinamicamente instável.
— O problema
estava relacionado à forma do chassi e à parte frontal da lateral, o que
sobrecarregava o vórtice que forma uma asa delta logo à frente da mesma, e isso
deixava esse vórtice instável e prejudicial em determinadas condições. O
problema poderia ser aliviado cortando a asa, mas isso faria o carro perder
downforce. A solução adequada para isso era remodelar o chassi e as laterais
para aliviar o ar estagnado de alta pressão que se formava acima da asa. Mas
isso exigia a construção de um novo chassi. — Adrian Newey, relatando o
comportamento do seu carro em seu livro ''How to build a car''.
O carro ainda teria uma falha gravíssima no motor e seu resfriamento. O
novo motor FO110P da Mercedes demandava um sistema de refrigeração maior, e
isso não se adequava às laterais relativamente estreitos do MP4/18. Outro fator
que agravava o aquecimento era o fato do motor ter sido colocado numa posição
mais baixa no carro, maximizando os benefícios do centro de gravidade no carro.
Contudo, como efeito colateral, isso exigia um maior resfriamento do motor, o
que ratificava o problema do carro em manter laterais relativamente estreitas.
Isso fez inclusive a McLaren adotar algumas medidas de emergência, nas
quais ela fez duas fendas laterais nas laterais para justamente resolver parte
do problema de aquecimento do motor. Assim como também da extremidade da tampa
de motor fizeram buracos em cima dos triângulos superiores da suspensão
traseira. Tanto que, ao final de cada sessão de testes, segundo Priestley,
mecânicos já estavam em prontidão com extintores, pois a parte traseira da
carroceria pegava fogo constantemente.
— Meus colegas
da equipe de teste estavam voltando dos testes com os relatórios mais horrendos
possíveis. Eles já odiaram o carro depois do primeiro teste. Era difícil
trabalhar, estava voltando a cada corrida simplesmente pegando fogo. As
mudanças eram difíceis de fazer, era preciso remover enormes pedaços de
suspensão ou descolá-los para fazer o que seriam simples mudanças em qualquer
outro carro. Tudo era tão complexo e tão frágil, como um mecânico que fui, isso
se traduzia em muito trabalho duro e altamente desgastante. — Mark
Priestley, sobre os problemas crônicos do carro.
A McLaren nunca anunciou formalmente que o MP4-18 não competiria em
2003. Mas antes de uma proibição de sete semanas dos testes de verão que foi
acordada por todas as equipes, Dennis disse que a McLaren estava "cada vez
mais inclinada a continuar com o modelo MP4/17D para toda a temporada de
2003". Apesar de tudo isso, um dos conceitos intrigantes era o desenho da
asa dianteira. Tendo um bico estreito e mais longo, quase tocando na aba da asa
dianteira, tendo os suportes do bico de tubarão bem mais curtos. Para evitar
que esse bico interferisse no fluxo de ar frontal que passaria pela asa
dianteira, a parte inferior da asa dianteira se estendeu até à frente do bico,
evitando essa penalização aerodinâmica. E isso seria utilizado na MP4/19.
Mas as brigas em
torno do carro não pararam. Já para 2004. Enquanto Newey buscava redesenhar o
carro e corrigir as possíveis falhas do novo modelo para 2004, todos os outros
engenheiros apoiavam somente atualizações e pequenas reformulações no novo
carro. Segundo o ''mago da aerodinâmica'', em uma reunião de todos os chefes de
engenharia, chamada por Martin Whitmarsh, os engenheiros Paddy Lowe e Pat Fry
estavam liderando as alegações de que os MP4/18 poderiam ser transformados em
carros confiáveis e competitivos sem a necessidade de um redesenho total.
Assim, o argumento de Newey em prol um redesenho do chassi iria por água
abaixo.
No final, veria-se
que Newey tinha razão, dada a baixíssima competitividade e resistência do
MP4/19 (melhor resultado um sexto lugar de Coulthard na Malásia e
impressionantes oito abandonos em seis provas), ao ponto de lançarem uma versão
B com diversas atualizações à partir do Grande Prêmio da França o que melhorou
massivamente o desempenho desse carro. Um grande fato curioso sobre o MP4/18
era a transmissão que possuía um invólucro de carbono, mas com peças de
titânio, o que deixava a transmissão automaticamente mais leve. Mas isso também
traria sérios problemas, e isso foi visto no último teste em pista do carro, em
agosto, no circuito de A1 Ring, na Áustria, o que seria o ''tiro de
misericórdia'' contra o modelo.
Nesse teste, com
temperaturas mais altas, o compósito não era resistente o suficiente. Tanto
que, ao final do último teste, a transmissão estava sofrendo um processo de delaminação
no compósito da transmissão, principalmente devido ao titânio, aumentando o
desgaste da peça. Mas, apesar de diversos problemas, esses conceitos dariam
frutos na altíssima competitividade da McLaren MP4/20, de 2005. Que, embora
velocíssima, ainda tinha problemas crônicos de fragilidade do motor.
— A teoria por trás disso foi ótima. Ele conseguiu algumas coisas
incríveis com esses conceitos que mudariam a Fórmula 1 no futuro, mas nesta
fase os aspectos práticos foram um fracasso retumbante no MP4/18. — Mark
Priestley.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
THE RACE. Bring back V10s
podcast: What when wrong with the McLaren MP4-18. Disponível em: https://the-race.com/formula-1/bring-back-v10s-podcast-what-went-wrong-with-the-mclaren-mp4-18/. Acesso em 20 de Abril de 2020, às
18:30.
F1 TECHNICAL.NET. McLaren MP4-18 Mercedes. Disponível em:
https://www.f1technical.net/f1db/cars/867/mclaren-mp4-18.
Acesso em 20 de Abril de 2020, às 16:48.