sábado, 2 de junho de 2018

171 francês

Dizem alguns gaiatos que o primeiro esperto da história foi Deus, que trabalhou por seis dias e descansou no sétimo. E ao longo dos tempos podemos ver que, independentemente de cor, credo ou local, sempre tem alguém tirando alguma vantagem.

E não é diferente na F1. A categoria é pródiga em histórias de golpes e enganadores. E a que vamos abordar agora aconteceu em meados de 85, envolvendo uma grande montadora, um astuto chefe de equipe e um funcionário maroto...


Em meados da década de 1980, os motores turbo tomaram conta da F1. Quem quisesse ser competitivo, tinha que arrumar um para chamar de seu. O único que insistiu em usar os aspirados foi Ken Tyrrell. Sem tantos recursos, o inglês se virava para manter o Ford Cosworth V8 em condições mínimas de disputa. Mesmo assim, ainda conseguiu uma vitória em 1983 com Michele Alboreto em Detroit.
Alboreto e a chegada em Detroit 1983

Mas em 1984, não houve jeito. A Tyrrell foi acusada de usar lastros e água com aditivos para andar mais. Após uma grande disputa jurídica, a equipe foi excluída do campeonato e teve o segundo lugar em Detroit obtido por Martin Brundle descartado.
Brundle e Bellof - Detroit 1984


Após todo o processo de apaziguamento, o time foi aceito para a temporada de 1985. E Ken Tyrrell se viu tendo que buscar um motor turbo. A Ford foi consultada inicialmente, mas o sinal verde da diretoria foi dado em 84 e uma versão definitiva só ficaria pronta em meados de 85. A Hart, salvação das equipes pequenas, não tinha como atender mais um time...BMW, era muito caro..

Uma opção a ser explorada era a Renault. Após mais de 8 anos da recusa em desenvolver o V6 turbo francês, a Tyrrell captulava. Com a ajuda do seu amigo François Guiter, arquiteto do envolvimento da ELF em automobilismo, iniciou as conversações com a gigante francesa.

A partir daí, aparece uma figura determinante na história : Gerard Toth. Toth era da área da qualidade da Renault e foi nomeado naquele ano como chefe do programa de Fórmula 1 da montadora, no lugar de Gerard Larrousse. Até aí, nada demais. Só que sua experiência de automobilismo era zero e ele não era um agregador, por assim dizer.
Warwick, Toth e Tambay em algum momento de 1985...


As negociações se iniciaram. E os jornalistas ingleses acharam muito estranho quando viram o velho Ken no mesmo vôo que eles indo para Paris, por conta da apresentação da equipe francesa para aquele ano. Quando perguntado o que iria fazer, o “lenhador” falou que era “turismo”...e o jogo seguiu...

Mas o acordo foi fechado. A equipe concluiu um acordo para duas temporadas de fornecimento e usaria uma especificação abaixo das equipes principais. A manutenção seria feita pela subsidiária Mecachrome e seriam pagos cerca de US$2,5 milhões por ano.


Àquela altura, a temporada já estava para começar e a Tyrrell não teria como usar o Renault turbo desde o início. A equipe já vinha trabalhando no 014, que nada mais era do que o 012 de 1984 com adaptações para os motores franceses. Desta forma, foram mais uma vez com o 012 montados com os Ford Cosworth aspirados. Mesmo com um déficit de 150 cavalos, ainda conseguiram um 6º lugar com Bellof no aguaceiro de Portugal e um 4º em Detroit.
Bellof, Ken Tyrrell e Brundle - San Marino 1985.

Com o acordo fechado, o contrato foi assinado e os desenhos foram montados para a Inglaterra para acertar o novo carro. E como de praxe, foi acordado que o valor que a Tyrrell pagaria seria transferido para uma conta a ser indicada. E uma vez o depósito executado, os motores seriam fornecidos. A expectativa é que o carro teria condições de estrear no GP da França, em julho.

A conta foi informada, o dinheiro transferido e tudo ok. Agora era uma questão de tempo para o recebimento dos motores. Mas....

Duas semanas depois, a Tyrrell era cobrada pela Renault do depósito acordado. Sem ele, não haveria liberação dos motores. O velho Ken ficou surpreso, pois já havia feito a transferência. Ao verificar todos os dados, descobriu-se que a conta informada para a transferência era de...Gerard Toth!

O pandemônio se instalou. Tyrrell cobrou a Renault o cumprimento do acordo e a montadora queria o dinheiro. Foi necessário que o velho amigo Guiter, que retornaria o fornecimento da ELF à equipe inglesa, interviesse para que o contrato fosse cumprido.

No final, a Tyrrell usou os motores Renault a partir do GP da França e Toth foi “afastado” da equipe no final do ano, sendo posteriormente acusado de apropriação indébita e sido preso. Depois disso, nunca mais se falou nele.
Brundle estreando o 014 na França


Não foi o primeiro golpe e nem o último da categoria. Mas todos se espantaram como o “velho” Ken, tido como astuto, acabou caindo nessa e quase representou o fim da sua equipe. Mas desta vez, a sorte estava com ele...