quinta-feira, 14 de março de 2019

Charlie Whiting, o carregador de piano



Todo mundo que acompanha a Fórmula 1 quer ver emoção, ultrapassagens, carros rápidos e o que vem de bom. Mas pararam para pensar o que tem por trás? A estrutura organizacional para colocar o “circo” de pé. E uma das figuras mais importantes na corrida de automóveis é o diretor de provas.

E o posto foi ocupado desde 1997 por uma pessoa que conseguiu obter o respeito de todos os envolvidos: Charles Whiting. O inglês era o cara que conseguia aguentar pilotos, equipes, fiscalizar regulamentos e pistas e outras cosas. Fazer o consenso entre isso tudo e o bonde andar. Ou seja, simplesmente se equilibrar na corda bamba sob um tanque de tubarões.

O início de mão na graxa

Antes de ser um “cartola”, Whiting fez a sua carreira por baixo. Inicialmente sendo mecânico de seu irmão no automobilismo inglês, entrou na Fórmula 1 pela Hesketh em 1977. Com o fim da equipe, após o GP da Bélgica de 1978 ouviu dizer que a Brabham precisava de um mecânico. Bateu na porta da fábrica de Chessignton e conseguiu o emprego.

Foi o início de um belo casamento. Inicialmente, fez parte da equipe de testes e ajudou a desenvolver o BT46B (o famoso “carro ventilador”). Em 79, foi deslocado para o carro de Niki Lauda. Em 80, cuidava do carro de Nelson Piquet e no ano seguinte, tornou-se o chefe de mecânicos da Brabham.
Você se lembra da minha voz? Mas os meus cabelos...Whiting com as mãos no aerofólio da Brabham de Lauda em Brands Hatch - 1978


Foi um dos responsáveis a ajudar a criar várias das estratégias técnicas e táticas usadas pela equipe e que garantiram a Piquet vencer os títulos de 81 e 83. Ficou na Brabham até o final de 87, quando Bernie Ecclestone vendeu a equipe, que não dava mais tanta atenção por conta da gestão da Fórmula 1.

Com isso, iniciou a transformação do mecânico para o cartola. Por indicação do próprio Bernie, foi para a equipe técnica da FISA em 1988, atuando no escrutinio técnico. No início, todos desconfiavam, pois achavam que ele era um “homem de Bernie” para ficar de olho em tudo que faziam e serem copiados depois. Ele próprio demorou para se ajustar ao seu novo papel. E muita gente achou que era verdade quando a Brabham voltou em 1989. A partir de 1990, se tornou o delegado técnico da categoria.

A partir de 1991, Max Mosley assume o poder e o formaliza como responsável técnico.. Por este motivo, foi envolvido no furacão em que a Fórmula 1 passou em 1994 e se viu tomando uma série de decisões que hoje soam estranhas, mas que as pressões levaram a tomar.

 

Subindo na hierarquia


Na década de 90, a FISA começou a centralizar a figura do Diretor de Prova, bem como do starter e da supervisão das pistas. Inicialmente, o belga Roland Bruynseraede tinha este papel, onde ficou até 1995. Em 96, Roger Lane-Nott assume o posto e não agrada. Antes do final da temporada, Max Mosley convida Whiting para assumir a vaga na próxima temporada. E assim foi.

A partir daí, a figura daquele inglês de cabelos brancos passou a ser comum para o fã da Fórmula 1. Para os mais recentes, vão lembrar de Sebastian Vettel falando no rádio “que iria reclamar com o Charlie”. Aliás, o alemão levou uma punição no México em 2017 por ter usado de termos “fortes” para se referir a ele...

Uma história contada por Mark Gallagher, ex-Jordan, Red Bull e Cosworth, mostra um pouco de como ele era e seua posição sobre as “brechas”: Estava na Cosworth e falei com ele que tinhamos uma peça que queriamos melhorar, a despeito do congelamento de configuração.”Quebre algumas no dinamometro, mande fotos e diga que é um problema de confiabilidade. Os outros fazem isso e acham que eu não percebo”. 

O vazio que marca presença


Se dizia que sua aposentadoria está próxima. Dois potenciais substitutos foram para as equipes. Não se sabe ainda quem poderá fazer este papel. Para a Austrália, será “promovido” Michael Masi, que já acompanhava Whiting em algumas corridas e seria o Diretor de Prova este ano da F2 e F3 (preliminares da Fórmula 1)

Um homem que amava a categoria e o seu trabalho. Sempre estava na pista ou visitando potenciais locais para novas corridas. Construiu uma figura de respeitabilidade, seriedade e até porque não dizer humanidade. Escutava a todos, mas sabia se impor. E carregava seu piano com maestria e a Fórmula 1 deve muito a ele onde está hoje.

Tal qual um jogo de futebol, o juiz é bom quando não se percebe que ele está em campo. E este era Charlie Whiting. Um carregador de piano. Fará falta. Vá com Deus, Charlie.

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