terça-feira, 31 de dezembro de 2019

E SE? 1988 - UM ANO SEM MCLARENS


Por Roberto Taborda e Sergio Milani
A história é escrita pelos vencedores. Este é um velho chavão dito e reprisado ao longo dos tempos. No automobilismo, não é diferente, ainda mais nas épocas onde o registro dos acontecimentos não era tão farto quanto o atual e permitia floreios maiores nas narrativas.
Mas da mesma forma, por este prisma, vimos também vários excessos e muita coisa ter que ser revista. Não à toa, vimos vários fatos e mitos sendo desfeitos. E em tempos de pós-verdade e hiperinformação, muita situação é posta em dúvida ou mentiras tornam-se verdades...
Com este pano de fundo, vamos aos fatos e que motiva este texto, bem como o título deste que parece uma tremenda piração. Fim de temporada, o povo fica indócil nas redes sociais. Em um dos grupos de whatsapp perdidos no mundão, uma idéia marota é lançada no ar: Como seria a temporada de 1988 sem a McLaren?
Ora, o fã de F1 lembra deste ano como aquele em que tenha havido o maior domínio de uma equipe sobre as demais na categoria. Das 16 provas da temporada, Senna e Prost levaram simplesmente 15. A única que ficou de fora foi o GP da Itália, onde a McLaren 12 se enroscou com a Williams de Jean-Louis Schlesser e ficou parada na primeira chicane, deixando o caminho livre para uma dobradinha da Ferrari.
A idéia ficou quicando na área. Até que o colega Roberto Taborda, talvez tomado pelo espírito de Renato Portaluppi na final contra o Hamburgo em 1983, resolveu tomar a tarefa para si. E, tendo os resultados na mão, simplesmente fez a simulação de como seria o ano de 1988 sem a matadora McLaren/Honda MP4/4...
Para poder situar o ilustre leitor, eis alguns dados:
- A temporada de 1988 foi composta por 17 equipes, excluindo a McLaren. Com motores turbo: Lotus, Ferrari, Zakspeed, Arrows e Osella (sim! Com o mítico FA1L e um velhíssimo Alfa V8, que dava tanta vergonha que teve o nome tirado do bloco a pedido da montadora). Aspirados: Benetton, Williams, AGS, Coloni, Minardi, Ligier, Lola/Larrousse, Scuderia Italia (Dallara), Rial, Eurobrun, March e Tyrrell. Não esquecendo que ainda era permitido pelo regulamento que uma equipe alinhasse somente um carro.
- Os motores turbo tiveram a pressão de turbo limitada mais ainda: de 4bar para 2,5bar. Isso tirou cerca de 100 a 150cv de potência. Além disso, os carros turbo tiveram a capacidade de gasolina reduzida de 195 para 150 litros. Os aspirados poderiam andar com mais combustível (eram 40 quilos mais pesados). Tudo para poder trazer os dois tipos para andar próximos e preparar a introdução total dos aspirados em 1989.
- Para efeito de projeção, foram mantidos os resultados reais, bem como o descarte dos 5 piores resultados. Fonte : https://www.statsf1.com/en/1988.aspx
Após isso, teríamos a seguinte situação:
- Em 88, na temporada real, tivemos 3 vencedores (Senna, Prost e Berger). Na temporada revisada teríamos simplesmente 6! Berger(5), Boutsen (4), Piquet (2), Capelli (2), Mansell (2) e Alboreto (1).
- Além da Itália (único GP que não teve o resultado alterado, pois as duas McLaren não pontuaram), Berger venceria no Brasil, Mônaco, México e Alemanha. Boutsen levaria no Canadá, Estados Unidos, Hungria e Japão. Piquet venceria San Marino e Austrália; Capelli, Bélgica e Portugal; Mansell, Inglaterra e Espanha. E Alboreto teria a sua vitória única na França.
- Com esse quadro, teríamos Gerhard Berger campeão, garantindo o título na Espanha, e chegando 12 pontos à frente de Thierry Boutsen. Piquet ainda daria algum trabalho até o meio do ano, mas a Lotus perdeu fôlego no final da temporada. A decepção seria Michele Alboreto e Ivan Capelli se consolidaria como a grande revelação ao ano.


- A Ferrari seria a dominadora do ano, com 6 vitórias. A Benetton se consolidaria como segunda força e a Lotus ficaria em terceiro, talvez tendo ainda alguma sobrevida. Arrows, March e Williams brigariam forte pelo quarto lugar. Os carros creme se garantiriam à frente pelo fato de serem mais constantes. Williams e March dariam seu salto mais relevante na segunda parte da temporada.
- Resultados insólitos: o GP dos Estados Unidos nos daria uma situação que seria um dos sonhos dos loucos pelo fim do grid: Andrea de Cesaris em 2º com uma Rial (foto abaixo), Jonathan Palmer em 3º com uma Tyrrell que parecia um carro de funerária, Pierluigi Martini em 4º com a Minardi, Yannick Dalmas em 5º com a Lola e Alex Caffi fechando a raia com a Scuderia Italia.


- Na linha dos resultados “diferentões”, teríamos Caffi ainda chegando em 5º em Portugal e 6º na Bélgica, além de Dalmas pegando um pontinho em Mônaco. Mas os marcantes seriam os 6º lugares de Phillipe Streiff com a AGS (Austrália), Luis Perez-Sala com a Minardi (Portugal)  e Gabriele Tarquini com a Coloni ( Canadá - foto abaixo).


- A March seria mais impressionante ainda: Capelli conseguiria duas vitórias e dois 3º lugares (Canadá e Alemanha). Já Maurício Gugelmin teria dois 3º lugares: Inglaterra e Hungria.
- Dos 34 pilotos que alinhariam em 88 (excluídos os 2 da McLaren), 21 pontuariam.
- Eurobrun, Osella, Ligier e Zakspeed continuariam sem marcar ponto algum.
Vendo deste jeito, 88 seria um ano muito mais interessante do ponto de vista de competição. Ok, a dinâmica das provas poderia ter sido outra. Afinal de contas, a sensação de disputa seria maior e poderíamos ter algumas surpresas no meio do caminho. Mas o exercício mostra o tamanho do estrago que as McLaren provocaram àquele campeonato. Entretanto, não teríamos a chance de ver dois titãs se enfrentando em alto nível.
Eis aqui as tabelas completas do campeonato de pilotos e de construtores.




segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

F1 - CARROS QUE AMAMOS : TOLEMAN TG183




Prezados,

Após algum tempo "recolhidos no box", voltamos à pista. E neste momento de "férias" da F1, por que nao recordar alguns carros marcantes da categoria?

Não sao carros necessariamente vencedores. Mas que tem algum significado pessoal ou curiosidades mesmo. Afinal de contas, mesmo com toda a tecnologia aplicada, pessoas estão envolvidas na concepção, fabricação e operação. E é aí que um amontoado de aço, gasolina e borracha ganha alma e se torna parte da história.

Vocês verão aqui histórias nao somente técnicas. Mas de curiosidades também. Aficcionados contando para outros um pouco de sua paixão. Ir um pouco além da discussão muitas vezes vazia do dia-a-dia.

Para começar, segue a colaboração do André Luiz Bonomini , falando sobre um carro que chamou muito a atenção na época e tem uma ligaçao forte com os brasileiros: o Toleman/Hart TG 183.

Aproveitem!
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LICENÇA POÉTICA: Toleman-Hart TG183/183B, montado no esquadro
por André Luiz Bonomini

Com os agradecimentos ao grande confrade Pedro Ivo Faro (o "homem dos cascos"), faço minha estreia na série de carros favoritos (nunca campeões), tentando colocar um pouco do que conheço da boa e velha F1 sem muito "compromisso". E justamente a história geral, por vezes, é o que mais me fascina, até mesmo para os "sarros" compartilhados com os amigos.

E este, talvez seja um desses sarros prontos que muitos confrades se referem, pela estranheza de linhas que ele tem mas que, no fundo, tem lá sua importância capital tanto para a equipe que o construiu quanto para quem o pilotou por um curto periodo. A frase inicial é do próprio Pedro Ivo, enquanto discutiamos o primeiro carro da série para alguns: "um carro montado no esquadro".

E não tem como parecer diferente, o Toleman-Hart TG183 parece aquelas obras infantis desenhadas com régua, nível e facão. Quadrático, retilíneo e, talvez, funcional num futuro próximo, o TG183 nasceu ainda no fim de 1982. Era mais uma tentativa da Toleman sair daquela incomoda posição de equipe de motor turbo sem expressão. E olha que 1981 foi uma sucessão de não-qualificações que assustaria qualquer um.

Era só o segundo ano do time da guardadora de veículos de Ted Toleman e a ideia de fato era sair do imobilismo do TG181, que já estava na versão C em 1982 e permitiu um corridão de Derek Warwick em Brands Hatch naquele ano, isto até o artesanal e anêmico motor Hart entregar os pontos.

Quatro corridas depois, a equipe lançava mão da primeira versão do TG183, com suas linhas retas e estranhas, uma espécie de ensaio para 1983. Nada que impressionasse, visto que Warwick, o único que correu com este primeiro carro, abandonou as duas corridas que disputou com ele, embora partindo de posições modestas no grid: 16º na Itália e 10º em Las Vegas.

Fonte:statsf1.com

No entanto, a queda do efeito-solo em 1983 mudou tudo para o carro. Se ele teria um futuro modesto ou de fundão como o antecessor de dois anos atrás, jamais saberemos, mas o que viria a seguir foi uma chacoalhada geral, embora ele também não fosse a única vitima da canetada da FISA para aquela temporada. Rory Byrne se debruçou nas pranchetas para os novos acertos e o que saiu, se não é icônico como se pense, ao menos marcou com suas exentricidades.

A começar pelo estranho radiador dianteiro, logo abaixo das asas, talvez aproveitando o vento frontal ao extremo pra garantir um frescor a mais ao Hart turbo de quatro cilindros, também exótico para uma F1 divida entre motores turbo V6 e V8. Debitava 580 cv de força mas ainda assim era o mais fraco dos turbinados da grelha.

E pra arrematar o conjunto, o que de fato chamaria a atenção da Toleman até mesmo em 1984: a asa dianteira dupla, um apendice em cima dos radiadores traseiros mas que garantia alguma força aerodinâmica a mais para a traseira, além de ser, de fato, a "tampa" do engenho de Brian Hart, sempre a mostra do povo. Em 1983, o esquema mais bufante das asas traseiras começaria a ser adotado pelas equipes, entre extensores e orelhas.

Agora, se as suas linhas não agradavam os apreciadores da categoria, ao menos o livery do carro ajudava a dar um tom bonito, o que me chama atenção nele de fato. Em 1983, a combinação azul-vermelho da Union Jack - talvez querendo incorporar um espírito de "english team" para a trupe - somados aos marcantes patrocínios dos eletrodomésticos Candy e das escadas e equipamentos Magirus melhoraram o aspecto reto do bólido. Em 1984, a breve saída da Candy permitiu a entrada do café italiano Segafredo, que trouxe o branco as cores do team e desenhou em parte o que seria o livery daquele ano, sobretudo depois da metade da temporada.

Fonte: statsf1.com


Suas novas linhas - ainda retas - seriam vistas já no Rio, no comando do soldado do time Derek Warwick e do italiano Bruno Giacomelli, saído da Alfa Romeo. E ao julgar pelos resultados da primeira metade do ano, o TG183 só era exótico mas não funcionava. Até o GP da Austria, o melhor resultado do carro era um sétimo lugar de Warwick na Bélgica, além de um sem-número de abandonos e a não-classificação de Giacomelli em Mônaco.

Já na Holanda, o jogo virou, com Derek fazendo atuações interessantíssimas e arrancando nove dos 10 pontos do team no ano. Quarto logar na Holanda e na Africa do Sul, quinto em Brands e sexto na Itália, somando-se o sexto de Giacomelli também em Brands. O italiano foi impiedosamente batido pelo irmão do Paul e tais atuações o credenciaram a uma vaga na Renault em 1984.

O TG183B tinha mostrado sua eficiencia e ia aguentar a marimba nas primeiras provas de 1984 enquanto o projeto seguinte não ficava pronto. E seria, de fato, alí que ele viveria os seus bons momentos: foi quando Ayrton Senna tomou conta do volante do bólido quadrático e aprontou das suas já no começo do ano. Mesmo sendo um projeto, teoricamente, de dois anos atrás, o Beco levou o Toleman a dois sextos lugares, em Kyalami e Zolder. Não seria o melhor resultado do carro na sua história, mas por conta de Ayrton, seria o momento que o carro teria mais evidência na categoria.

https://br.wheelsage.org/toleman/tg183/toleman_tg183b/pictures/l55nhs/

Mas em Imola, o bólido já mostrou sinais dos tempos. Senna e o motoqueiro venezuelano Johnny Cecotto ficaram fora do grid por deficiencias técnicas. Apesar dos sextos lugares, Cecotto ainda não tinha completado uma única corrida e Senna já tinha um abandono registrado no Rio. Na França, o TG184 aparecia também com a marcante asa dupla e seria ele o melhor carro da Toleman na história curta do time, que durou até 1985.

Se era pra começar a série no estilo "chegar chegando", que seja assim. Por isto, ai está o TG183/183B na minha lista de favoritos. Me aguardem que outros virão!