domingo, 12 de janeiro de 2020

F1 - CARROS QUE AMAMOS : WILLIAMS FW22


Na sequencia da série "F1 - Carros que amamos", segue o texto do colega Pedro Ivo Faro sobre um de seus carros favoritos: o Williams FW22, de 2000. Aproveitem!

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Licença Poética - Williams FW22, ou “o retorno do sonho em Grove”
por Pedro Ivo Faro

Quando dei a ideia da seção “Licença Poética” aos amigos que colocarão seus textos aqui, uma das premissas mais básicas era de falarmos sobre os carros que muitas vezes não são tão lembrados, mas que nos marcaram. E desde o momento que dei a ideia, tinha um carro em mente para escrever: o Williams FW22, primeiro bólido de F1 com motor BMW desde 1987.
Para aqueles que são menos afeitos a números, códigos, dados e etc., é o carro da Williams de 2000. Até aí, todo mundo vai lembrar que a Williams tinha parceria com a BMW, vai lembrar da dupla Montoya-Ralf Scumacher (que vivia às turras, diga-se), vai lembrar que o engenho germânico era um verdadeiro canhão e que o conjunto técnico geral foi um pesadelo para a Ferrari em 2003... tudo isso a gente lembra. Mas tudo isso também teve um começo, não foi foi? E não, este começo não foi em 2000, talvez meio esquecido pelo grande público, com um jovem Jenson Button no time e um recomeço do caminho das vitórias. Mas vamos voltar ainda mais um pouquinho no tempo, mais precisamente para 1999, e nem para a Fórmula 1, e sim para as charmosas e pomposas 24 Horas de Le Mans, pois foi lá onde a parceria firmada rendeu seu primeiro fruto.
Na corrida daquele ano, a Toyota amargou seu primeiro grande fracasso, e a BMW levantou o caneco com o protótipo V12 LMR. O belo, esguio e veloz bólido germânico pintado todo de branco tinha um propulsor conhecidíssimo dos que amam supercarros: com pequenas mudanças, era o mesmo que estava no cofre do antológico McLaren F1 (que, olha só, ganhou a mesma Le Mans quatro anos antes!). Ou seja, expertise havia, e se o acordo com a Williams para a Fórmula 1 já estava feito, por que não receber uma mãozinha inglesa para triunfar em Sarthe? E foi esse bólido que foi o primeiro marco da parceria Grove-Bavária. O trabalho de chassis e suspensão ficou ao cargo da equipe inglesa, deixando o motor a cargo dos germânicos (algo similar ao que ocorreria por seis temporadas na Fórmula 1). E, vale frisar, o trabalho inverso (ou seja, focado na F1, este com a BMW tocando o desenvolvimento do motor) também seguia em paralelo, a todo vapor.
Num primeiro ano (1998), ainda chamado V12 LM, o desempenho foi mais modesto e, digamos, para aprendizado. Aí, quando veio 1999, surgiu um carro totalmente diferente. Com foco num melhor arrefecimento e baseado numa linha e numa asa traseira muito mais baixas que a dos rivais Porsche 911 GT1 e Toyota GT-ONE, o foco no aproveitamento do fluxo de ar era palavra de ordem. Aí, no desafio máximo em Sarthe, numa combinação de confiabilidade, ritmo equilibrado do trio Joachim Wilkenhock, Pierluigi Martini e Yannick Dalmas e consumo moderado de combustível, o trio que guiou o bólido germânico levantou o troféu e deu à Toyota seu primeiro dissabor em solo francês, ao perder por apenas uma volta em uma corrida de 24 horas.
O resultado da parceria deu muito certo, e, claro, trazia perspectivas alvissareiras para a estreia na F1, em 2000, que teve até piloto brasileiro tendo que passar por aquilo que todo estudante de ensino médio tem enjoo só de ouvir o nome: vestibular.
Voltando aos trilhos
Quando falamos da Williams pós-97, lembramos de uma equipe deveras claudicante, com desempenhos inconstantes, um Jacques Villeneuve bem menos inspirado (e que pularia do barco em 99), um Ralf Schumacher que oscilava entre o combativo e o resignado e um Alessandro Zanardi que, na falta de um termo melhor, foi inoperante. Essa foi a tônica do time de Grove nos certames de 98 e 99. Logo, a parceria com a BMW era a aposta e a chance de dias melhores para a esquadra bretã.
E, com a saída de Zanardi, uma vaga ficou em aberto. Foi quando a Williams promoveu um “vestibular” entre dois pilotos de diferentes nacionalidades, ainda com o modelo de testes. O carro testado já era lindo de se ver (tão bonito que quiçá era ainda mais vistoso que o modelo definitivo), e na tabela de tempos mostrava ser melhor que o anterior, mérito do canhão bávaro que ficava no cofre do motor.
Um dos nomes que pleiteou uma cadeira foi brasileiro: Bruno Junqueira, que vinha de uma temporada mediana na F3000 do ano anterior (uma vitória e uma pole em 10 corridas) disputou a vaga com o jovem Jenson Button, que com 20 anos era então tido como sensação da Inglaterra (terceiro e também piloto-revelação no certame de 1999 da F-3 Inglesa) e maior promessa da terra da Rainha. Além deles, também deu umas voltinhas no carro Jorg Müller (um Gary Paffet que come chucrute, praticamente). Algo interessante, e revelado posteriormente por Patrick Head é que até os 45 do segundo tempo a vaga era de Junqueira, mais familiarizado com a equipe e bem-entrosado com mecânicos e engenheiros graças ao bom feedback que repassava. O jogo virou a favor de Button quando nos testes em Barcelona ele superou o brasileiro. Patriotada inglesa? Azar brasileiro? Injustiça? Nunca saberemos. Fato é que, decidida a dupla de pilotos (que contaria com Ralf Schumacher como primeiro piloto), a parceria BMW-Williams já era uma realidade, e estava pronta para estrear. Junqueira estava lá, mas relegado ao posto de piloto de testes.
E aí, quando o desafiante para a temporada 2000 foi revelado, arrebatou o coração deste humilde escriba daqui, na época com seus doze anos de idade. Saía o livery vermelho e discutível da tabagista Winfield e entrava um esquema de cores para lá de elegante, predominantemente azul e branco, com patrocínios já fora da onda tabagista, que a cada ano era menos tolerada pela FIA. Com apelo high-tech, os patrocinadores máster eram Compaq e Castrol, seguidos pela Allianz, e davam àquele carro um inegável “ar de Brabham”, que praticamente todo e qualquer aficionado por F1 concorda ao falar do carro. Aliás, nem só nós! Se recapitularmos VTs de corridas daquela temporada, vez por outra Galvão Bueno e/ou Reginaldo Leme chamavam o FW22 de Brabham! Mas, apesar da semelhança, nada ligava o time à finada operação de Sir Jack Brabham, o nome oficial mesmo era “BMW Williams F1 Team”.

Entendendo o desafiante
Numa primeira olhada, O FW22 já transmitia uma impressão melhor que o antecessor. Primeiro por possuir um motor oficial (e não de uma fornecedora independente, como Mechacrome ou Supertec), depois que o livery ficou mais elegante e, por fim, o conjunto parecia mais harmonioso e até mesmo “afiado”. De fato, o FW22 era 7 cm mais longo no entre eixos que o antecessor. Além disso, mudanças impostas pela FIA visando maior segurança aos pilotos obrigaram a Williams a fazer alterações no entorno do cockpit, o que obrigou uma mudança nos sidepods do carro. Adicionalmente, as alterações nos sidepods também visavam melhor refrigeração ao engenho, batizado de E41/4. Essas mudanças obrigaram que o carro ganhasse uma “asa suplementar” no topo da entrada de ar superior, além de winglets á frente das rodas traseiras, principalmente em circuitos mais lentos, como na Hungria. Na verdade, segundo Gavin Fisher, designer da equipe naquele ano, a ideia não foi fazer uma revolução nas linhas e na concepção aerodinâmica, e sim uma evolução do que fora feito no FW21, uma vez que determinados desempenhos de 99 mostravam que a equipe tinha um caminho a ser seguido. Mas Fisher também admitiu: “Um novo motor traz novos problemas que requerem novas soluções”. Geoff Willis, aerodinamicista-chefe deixou claro que o reforço foi no desempenho nos circuitos de alta velocidade, ponto fraco do carro do ano anterior. “Fizemos um bom aprimoramento no desempenho geral da aerodinâmica até então e focamos em resolver os problemas característicos do ano passado”, definiu à época.
Com o peso dentro do mínimo de 600 kg (já com piloto incluso), o FW22 media 4,54m, com 3,14m de entre eixos. Era consideravelmente mais longo, por exemplo, que a Ferrari F1-2000, que media 4,39m.
Verbessern
Esta palavra, que significa “aprimorar” em alemão, teve tudo a ver com o propulsor bávaro, bem como com o desempenho da equipe durante a temporada. O E41/4 começou o certame com 750 cv de potência a 17 mil giros. Aquém dos engenhos de Ferrari e McLaren. Além disso, o motor também era maior em dimensões que os rivais.
Mas, seguindo a palavra deste subtítulo, as constantes evoluções recebidas deixaram o decacilíndrico germânico com 810 cv a 17.500 rpm. A nível de comparação, era 40 cv mais forte que o Ferrari Tipo 049, porém também era 17 kg mais pesado (117 kg contra 100 kg do italiano). Ao fim da temporada, foi considerado um compromisso para lá de aceitável entre potência e confiabilidade. A transmissão do FW22 também era uma novidade, sendo a primeira de sete marchas em um Williams, o que ajudaria a administrar o problema de falta de torque em rotações mais baixas.
E o começo da operação em 2000 foi deveras animador. Ralf Schumacher largou num apagado 11º lugar, mas arrancou o primeiro dos três pódios que viram naquele ano, enquanto Button, ao alinhar no grid numa indesejável 21ª posição, se tornou o piloto mais jovem a largar numa corrida de F1 até então (e marcaria seus primeiros pontos no Brasil, corrida seguinte). Obviamente que os primeiros passos da trajetória teriam lá seus percalços. Por exemplo, em San Marino nenhum carro completou, apesar de Ralf ter largado num razoável quinto posto. No entanto, a corrida seguinte, em Silverstone, viria uma redenção das boas: ambos nos pontos, com Ralf em quarto (posição que repetiria na corrida seguinte, na Espanha) e Button em quinto.  
A confiabilidade do E41 ainda tinha lá seus percalços, é verdade: além do duplo abandono em San Marino, a dupla de pilotos ainda teria problemas em Nurburgring (falha elétrica de Button), Estados Unidos (ambos os carros quebraram), Japão (estouro no motor de Ralf) e na Malásia (problema hidráulico de Ralf e problema de motor de Button). Por outro lado, o ano também reservou boas exibições! Além do pódio na estreia na Austrália, Schumaquinho ainda arrancou mais dois terceiros lugares, na Bélgica e na Itália, enquanto Button, apesar de não ter obtido pódios em seu ano de estreia, mostrou serviço terminando nos pontos em seis corridas, com destaque para a boa exibição em Spa-Francochamps, onde finalizou em quinto, e também na Áustria, onde fechou em quarto.


Ao fim da temporada, a Williams ficou em terceiro lugar, com 36 pontos. Distante das protagonistas Ferrari (170) e McLaren (152), é verdade, mas também com uma distância confortável para a Benetton, quarta colocada com 20 pontos. Schumaquinho fechou o campeonato num quinto lugar, com 24 pontos, enquanto Button terminou com 12 tentos. No fim das contas, foi um desempenho deveras digno, e que mostrou que a Williams reencontrara, enfim, o caminho para os bons resultados e – como seria mostrado nas temporadas seguintes – para as vitórias. Tudo isso teve um começo, e, claro, foi com o belo FW22.

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