domingo, 13 de janeiro de 2019

Lamborghini: O primeiro touro na Formula 1 (Parte V)

E vamos para a 5ª parte da história da Lamborghini na Fórmula 1....

1991 parecia ser o ano em que a fábrica italiana daria o próximo passo. Os motores tinham conseguido um nível razoável de desenvolvimento diante da concorrência e ainda haveria a estreia do carro feito em casa.

Para este ano, Mauro Forghieri trabalhou no consumo de gasolina, óleo e no peso. O ganho de potência foi mais marginal (cerca de 10 cavalos) e a curva de torque foi modificada. O 3512 ficou ligeiramente mais leve.

O investimento não foi maior pois os italianos estavam sofrendo duplamente: com a Guerra do Golfo, o preço do petróleo disparou e as vendas caíram. A sua controladora, a Chrysler, também sofria com isso, combinada com a recessão americana. E ainda havia o trabalho no carro a ser entregue à equipe Modena.
Lambo291

Neste ano, a Lamborghini forneceu motores à Ligier. Os franceses tinham fechado acordo como “travessia” para os Renault em 1992. Após vários anos com os V8 Judd e Ford Cosworth, Guy Ligier escolheu potência e os italianos eram a opção disponível. Com mais um apoio de seu amigo François Mitterrand (então Presidente da França), conseguiu pagar os US$ 7 milhões pedidos...

A equipe francesa veio com um carro totalmente novo para acomodar o V12: Ricardo Divilla, Michel Beaujon e Claude Galopin desenharam o JS35. O carro era convencional, embora com um grande entreeixos para acomodar o tanque de combustivel maior, sistema de oleo revisto e o motor, e laterais extremamente altas. A Ligier também vinha com um cambio de 6 marchas feito em casa, abrindo mão do fornecimento que era inicialmente previsto. Para pilotar esta máquina, vieram Thierry Boutsen e Erik Comas (então campeao da F3000 em 1990).

Boutsen testando o JS35 em Paul Ricard

O outro fornecimento foi dado ao Team Modena, que correria com o carro desenvolvido por Mauro Forghieri e Mario Tolentino e seria originalmente para o grupo mexicano GLAS (ver a 4ª parte). Como a Chrysler vetou a equipe própria, Forghieri convenceu seu amigo, o industrial Carlo Patrucco, a bancar a aventura. O acordo seria simples: ele bancaria a equipe e a Lamborghini daria o apoio técnico.

Patrucco pagou os US$ 100 mil da inscriçao (somente 500 vezes a menos do que atual), um acordo foi fechado com a Good Year e a estatal Agip, uma base foi estabelecida em Modena e o Team Modena estava oficialmente inscrito na temporada 1991. Entretanto, o carro foi conhecido oficialmente como Lambo 291. Nicola Larini e Eric van de Poele foram indicados como pilotos.


Os dois carros tinham coisas em comum : eram em sua maioria azuis, tinham pilotos belgas e sofriam com problemas de peso e se mostraram mal-nascidos. Os italianos ainda tinham que enfrentar o calvário das pré-qualificações de sexta de manhã.

A temporada começou em Phoenix, com Larini conseguindo passar pelas pré em terceiro. Van de Poele ficou em ultimo e desclassificado, pois o carro reserva estava acertado para Larini e simplesmente sua cabeça ficava acima do santo antônio. Nos treinos oficiais, Larini conseguiu um respeitável 17º lugar e Boutsen, um 20º lugar. Comas ficou de fora do grid por pouco mais de um décimo. No fim, o italiano conseguiu um sétimo lugar (que acabou sendo seu melhor resultado na temporada).
Van de Poele em Phoenix (EUA). Dá pra perceber o porquê de ter sido desclassificado ?
 
No Brasil, as Ligier conseguiram se classificar, mas as Lambo, nem passaram das pré. Comas abandonou quando estava em 11º e Boutsen se arrastou até o final, chegando em 13º. A esta altura, as coisas não iam bem nas hostes francesas...

Em San Marino, inicio da temporada européia, mudanças na Ligier: saíram Divilla e Galopin e chegou Frankie Dernie, que havia saido da Lotus no fim da temporada anterior. Seu trabalho: tentar dar um jeito no JS35. Já a Modena vinha com uma versão especial do motor Lamborghini e gasolina. Tanto que Van de Poele conseguiu o ultimo lugar classificável das pré. Nos treinos, os tres carros ficaram dentro do mesmo segundo, mas Comas em 19º, Van de Poele em 21º e Boutsen, em 24º (um ano antes, o belga tinha ficado 20 posições à frente...)

Em uma corrida um tanto quanto louca, com direito a Alain Prost rodando na volta de apresentação, quem ficou na pista foi se dando bem. E Van de Poele vinha fazendo uma corrida segura, ciente das limitações do carro. E levando com cuidado, foi subindo na classificação: aproveitando as paradas no box para troca de pneus (de chuva para seco), fechou a 10ª volta na 9ª posição. Na 30ª , encontrava-se em 8º, atrás de J.J Letho. Boutsen não vinha muito atrás, com um digno 10º lugar.

Nas voltas seguintes, a briga era intensa: um grupo envolvendo Boutsen, Van de Poele, Bailey e Hakkinen vinha brigando intensamente. E na 50ª volta, Van de Poele conseguia o 6º lugar com certa facilidade e se mantinha ali.

A maravilha maior aconteceu quando Roberto Moreno, que ocupava o 3º posto, abandonou. O belga subiu para a 5ª posição e todos os santos estavam sendo evocados pelo Team Modena. Boutsen estava logo atrás, mas perdeu as posições para Hakkinen e Bailey, justamente pelo motor falhando.

E o que não poderia dar errado, deu: simplesmente na última volta, o pescador do tanque de gasolina não funciona e o motor de Van de Poele para de funcionar a 300 metros da chegada. De 5º cai para 9º. Foi sua melhor chegada na sua carreira na Fórmula 1 e uma das situações mais dolorosas que quase ninguém tem notícia...
Van de Poele em seu grande momento...não deu...

Depois, as duas equipes voltaram à sua rotina: as Ligier sofrendo para ficar no final do grid e a dupla da Modena não passando das pré. Pra complicar, algumas faturas da Lamborghini não vinham sendo pagas e o Lambo291 foi ficando de lado...

Na França, a Lamborghini entregou uma versão ligeiramente diferente do 3512 e a Ligier apresentou o JS35B, já alterado por Dernie e com algumas dicas do mais novo contratado : Gerard Ducarrouge. Novos aerofólios e laterais, além de um chassi mais aliviado. Não houve resultado...

Na Alemanha, uma pista de alta velocidade, a potência dos V12 falou um pouco mais alto e permitiu que as Lambo passassem às qualificações., aproveitando que, por conta dos resultados da primeira fase, o 7º lugar de Larini nos EUA, a equipe foi promovida. Já a Ligier chamou a atenção pelo acidente de Comas no treino livre de sábado. Na corrida, sem muita novidade : Larini nem completou a primeira volta, e Boutsen em 9º.
Uma maneira controversa de passar pela barreira...

A esta altura, a Lamborghini se via apertada: todo o esforço feito até ali vinha sendo perdido. E pior : ninguém batia à sua porta para negociar fornecimento de motores, e nem a construção de um carro. Daniele Audetto, diretor esportivo, estava preocupado, pois não havia ainda uma perspectiva para 1992. Enquanto isso, Forghieri ia trabalhando no motor e em possíveis mexidas no Lambo291, desde que as contas fossem pagas....

Na Hungria, na pista as coisas iam na mesma toada: Larini conseguia se classificar para a corrida e as Ligier iam se arrastando. Comas conseguiu um 10º, enquanto Larini e Boutsen fechavam a raia. Mas do lado de fora, novidades : A Minardi batia na porta para uma consulta e a Larrousse mandou um “oi, sumida”, dizendo que agora as coisas seriam diferentes....
Buscando uma iluminação em Budapeste...

Em Portugal, novidades na Modena: pensando em uma possível continuidade para 1992, a equipe contrata Sergio Rinland (ex-Brabham) e quita algumas das dívidas com a Lamborghini, o que motiva a aparição de um carro bem modificado, especialmente dando adeus às laterais triangulares e adotando um desenho mais convencional. Pelo lado da Ligier, o clima agora é de fim de festa, contando os dias para que a temporada acabe e que chegue logo o tão sonhado RenaultV10.


O carro muda, mas o desempenho....


Na pista, a mesma chorumela: franceses se arrastando e italianos não se classficando...

Mas no Japão, as coisas pareciam ter ganho um novo rumo: A Chrysler anunciou um maior envolvimento no projeto F1, o que levou até a Lamborghini a reduzir a pedida pelos seus motores: cortou o preço de US$ 7 para US$ 5 milhões. Tal redução levou à conclusão das negociações para que Larrousse e Minardi recebessem os engenhos italianos.

Quanto ao Team Modena, a situação era curiosa: Carlo Patrucco estava devendo algo em torno de US$ 10 milhões de dólares à Lamborghini. Mas mesmo assim, queria encomendar um novo projeto para 1992, mas sob a batuta de Sergio Rinland. Donos de uma personalidade muito diplomática (#SQN), Audetto e Forghieri simplesmente o xingaram até a última geração e quase sairam no braço. No fim, o recado foi claro : sem dinheiro, sem carro. Pague o que deve e aí conversamos.

Mesmo assim, algum trabalho havia sido feito e alguns esboços do que seria o Lambo292 surgiram. Mas a grana acabou mesmo e não foi à frente. Assim, o Team Modena fez suas últimas voltas no aguaceiro de Adelaide, abandonando depois de 5 voltas... O que restou foi um exemplar do Lambo291no museu da Lamborghini...

Após um ano tão acidentado, a Lamborghini, após tantas esperanças, terminava 91 com uma tremenda ressaca. Mas havia um bom prospecto para a próxima temporada. Embora a Presidencia da empresa tenha decidido encerrar a aventura da “sub-contratação” de monopostos, focando somente no fornecimento de motores e câmbio.

Não percam a próxima parte! 1992! Tá terminando!

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Lamborghini: o primeiro touro na F1 (Parte IV)

2018 terminou, 2019 começa e ainda tem texto sobre a Lamborghini sim!

1990 se configurava um ano cheio para a Lamborghini Engineering. Além da Larrousse, os italianos expandiriam seu escopo de fornecimento de motores e câmbio para a Lotus. E continuavam o processo de desenvolvimento de um carro próprio.

O grupo de Mauro Forghieri tinha trabalhado bastante em cima dos dados obtidos em 1989 e começava a temporada com uma nova versão do 3512, trabalhada especialmente na parte eletrônica (houve a troca de fornecedor: Magnetti Marelli por Bosch) e no consumo de combustível. Lotus e Larrousse receberam um motor com uma curva de torque revista e com uma potência de 645cv. Cerca de 10 cavalos a mais do que o fim da temporada anterior. Além disso, havia uma caixa de marchas longitudinal de 6 velocidades com novas especificações, trazendo mais rigidez ao conjunto, embora ligeiramente mais leve.

As maiores esperanças estavam na Lotus. A Camel havia optado por aumentar o apoio à equipe e isso permitiu fechar o acordo de fornecimento. Naquele momento, era uma cartada de tentar retomar ao caminho do grupo da frente. Frank Dernie, ex-Williams, estava mais um ano na equipe e se baseou no carro de 1989, que era tido como um bom exemplar mas com um motor fraco, e apresentou o 102. Peter Warr optou por trazer uma dupla nova e britânica: Derek Warwick e Martin Donnelly.
Warwick, Dernie, Donnelly e o Lotus 102

A Larrousse também vinha com uma versão revisada do seu carro, o L190 (agora já sem o C de Camels), feita por Chris Murphy, Gerard Ducarrouge e Michel Tetu. Impulsionada pelo investimento do grupo japonês ESPO (área de telecomunicações), a equipe preparava uma mudança para uma nova fábrica, perto de Paul Ricard, e contava com um aumento dos patrocinadores nipônicos. Além disso, trazia de volta Aguri Suzuki e Eric Bernard para a temporada.
Aguri Suzuki e o Larrousse L190

O início de ano foi claudicante para as duas. A Lotus enfrentou problemas com o sistema de óleo nos primeiros testes e viu também que o carro tinha problemas de torção e suspensão, tendo que mexer bastante no carro antes da temporada começar. A Larrousse, embora Alliot tivesse marcado dois pontos em Jerez no ano anterior, foi relegada para a pré-qualificação.

Em paralelo, a equipe de fábrica ia trabalhando no carro encomendado pelos mexicanos da GLAS. Desenhado por Mario Tolentino, o Lamborghini era feito totalmente em casa e tinha por ponto especial as laterais em formas triangulares, de maneira a reduzir o arrasto. O objetivo era apresentar oficialmente a nova equipe no GP do México.

À esta altura, a Larrousse acabou se mostrando mais eficiente. O L190 mostrou potencial, com Bernard e Suzuki passando tranquilamente pelas pré. O francês terminou em 8º em Phoenix e andou próximo das Lotus em San Marino (chegaram em 7ºe 8º). E marcou seu primeiro ponto em Monaco. Warwick também marcaria um ponto com um sexto lugar no GP seguinte no Canadá.

A esta altura, os pilotos achavam o carro com um bom torque e curva de potência (tanto que a Larrousse e a Lotus andaram muito bem nos treinos com pista molhada em Phoenix e Interlagos). Mas como jocosamente brincou Derek Warwick, “o barulho era maravilhoso, mas não vinha potência...”

No México, se daria a apresentação da GLAS. Mas misteriosamente, um pouco antes, o empresário Gonzalez Luna, a mente por trás do projeto, desapareceu. O carro estava pronto para ser enviado, mas os cheques dados não tinham fundos. Desta forma, o material ficou na Itália e a empresa entrou na justiça para reaver parte do prejuízo.

Mas mesmo assim, a Lamborghini continuou o desenvolvimento e levou o carro para a pista. Os treinos em Imola, com Mauro Baldi ao volante, mostraram algum potencial e animou a buscar um comprador para o projeto. Eis aqui algumas imagens do teste realizado, em uma reportagem da italiana RAI.


A esta altura, começava a temporada européia. E em circuitos de alta velocidade (França e Inglaterra). E a Larrousse veio com um novo pacote aerodinamico, junto com algumas mudanças trazidas no motor. No seu GP caseiro, os franceses “bateram na trave”, chegando em 7º e 8º (Suzuki e Bernard).

Mas o melhor veio à seguir: na Inglaterra, Bernard conseguiu uma ótima 4ª posição e Suzuki chegava em 6º, sendo o segundo japonês a marcar pontos na F1 Estes resultados serviram para tirar os franceses das pré-qualificações de sexta de manhã. Enquanto a Lotus ainda sofria com o chassi com problemas de suspensão.

Bernard : um ótimo desempenho na Inglaterra

Neste GP, a Lamborghini apresentou a seus clientes e potenciais interessados o seu preço para a temporada de 1991: US$ 7 milhões, com exigência de garantia bancária (depois do acontecido com os cheques mexicanos, os italianos exigiam). Quando souberam, Larrousse e Lotus reclamaram, pois se tratava de um aumento de quase 50% em relação ao cobrado para a temporada corrente.

E as negociações correram na Hungria, onde Warwick conseguia um ótimo 5º lugar, à frente de Eric Bernard. Este seria o melhor resultado da outrora gigante inglesa no ano...

Na Itália, veio a confirmação de que tanto Lotus como Larrousse não continuariam com os motores italianos. Os ingleses não teriam mais o apoio da Camel e estavam sofrendo com sérios problemas gerenciais, já que uma parte dos diretores foi presa por conta ainda do escandalo do empréstimo feito pela DeLorean junto ao governo irlandês (o Flatout tem uma ótima história sobre isso). Já os franceses já vinham batendo de frente com a Lamborghini por conta de faturas não pagas e tinham o acordo com a ESPO em dúvidas.

Mesmo com os bons resultados, a única equipe que se mostrou interessada em contar com os V12 italianos para 1991 era a Ligier. Já que a Renault só confirmou que forneceria motores em 1992, Guy Ligier precisava de uma solução para a temporada seguinte e não queria mais contar com os Ford Cosworth. Graças ao seu amigo Fraçois Mitterrand (tão somente Presidente da França), a equipe apresentou as garantias bancárias e anunciou o acordo em Portugal.

Também no Estoril, foi anunciado que o industrial italiano Carlo Patrucco, então um dos vice-presidentes da forte Confederação Industrial Italiana (Cofindustria, a FIESP de lá), montaria uma equipe para usar o carro feito originalmente para a GLAS na temporada de 1991. Muita gente diz que foi uma jogada armada para que a Lamborghini não aparecesse diretamente como responsável, mas não foi provado.

Na Espanha, dois pontos extremos: primeiro, o gravíssimo acidente de Martin Donnelly, que por muito o pouco não o matou, mas o deixou em coma por muito tempo e com grandes chances de ficar paraplégico (ele não só escapou, como anos depois voltou a pilotar). E o aspecto positivo foi o sexto lugar de Aguri Suzuki.

E o japonês surpreendeu mais ainda ao chegar no pódio de seu GP local em terceiro lugar, sendo o primeiro piloto nipônico a obter tal feito.

O ano terminava para a Lamborghini em alta conta: os italianos tinham marcado seus primeiros pontos e conseguiram se colocar como competidores do grupo do meio, marcado alguns resultados decentes. O motor, em termos de cavalaria, já passava os Cosworth. A evolução prometia, ainda mais agora também como “construtor” de certa forma, como foram suas co-irmãs Ferrari e Alfa Romeo. Tudo parecia estar em um bom caminho. Parecia...