Dizem alguns gaiatos que o primeiro
esperto da história foi Deus, que trabalhou por seis dias e
descansou no sétimo. E ao longo dos tempos podemos ver que,
independentemente de cor, credo ou local, sempre tem alguém tirando
alguma vantagem.
E não é diferente na F1. A categoria
é pródiga em histórias de golpes e enganadores. E a que vamos
abordar agora aconteceu em meados de 85, envolvendo uma grande
montadora, um astuto chefe de equipe e um funcionário maroto...
Em meados da década de 1980, os
motores turbo tomaram conta da F1. Quem quisesse ser competitivo,
tinha que arrumar um para chamar de seu. O único que insistiu em
usar os aspirados foi Ken Tyrrell. Sem tantos recursos, o inglês se
virava para manter o Ford Cosworth V8 em condições mínimas de
disputa. Mesmo assim, ainda conseguiu uma vitória em 1983 com
Michele Alboreto em Detroit.
Alboreto e a chegada em Detroit 1983 |
Mas em 1984, não houve jeito. A
Tyrrell foi acusada de usar lastros e água com aditivos para andar
mais. Após uma grande disputa jurídica, a equipe foi excluída do
campeonato e teve o segundo lugar em Detroit obtido por Martin
Brundle descartado.
Brundle e Bellof - Detroit 1984 |
Após todo o processo de apaziguamento,
o time foi aceito para a temporada de 1985. E Ken Tyrrell se viu
tendo que buscar um motor turbo. A Ford foi consultada inicialmente,
mas o sinal verde da diretoria foi dado em 84 e uma versão
definitiva só ficaria pronta em meados de 85. A Hart, salvação das
equipes pequenas, não tinha como atender mais um time...BMW, era
muito caro..
Uma opção a ser explorada era a
Renault. Após mais de 8 anos da recusa em desenvolver o V6 turbo
francês, a Tyrrell captulava. Com a ajuda do seu amigo François
Guiter, arquiteto do envolvimento da ELF em automobilismo, iniciou as
conversações com a gigante francesa.
A partir daí, aparece uma figura
determinante na história : Gerard Toth. Toth era da área da
qualidade da Renault e foi nomeado naquele ano como chefe do programa
de Fórmula 1 da montadora, no lugar de Gerard Larrousse. Até aí,
nada demais. Só que sua experiência de automobilismo era zero e ele
não era um agregador, por assim dizer.
Warwick, Toth e Tambay em algum momento de 1985... |
As negociações se iniciaram. E os
jornalistas ingleses acharam muito estranho quando viram o velho Ken
no mesmo vôo que eles indo para Paris, por conta da apresentação
da equipe francesa para aquele ano. Quando perguntado o que iria
fazer, o “lenhador” falou que era “turismo”...e o jogo
seguiu...
Mas o acordo foi fechado. A equipe
concluiu um acordo para duas temporadas de fornecimento e usaria uma
especificação abaixo das equipes principais. A manutenção seria
feita pela subsidiária Mecachrome e seriam pagos cerca de US$2,5
milhões por ano.
Àquela altura, a temporada já estava
para começar e a Tyrrell não teria como usar o Renault turbo desde
o início. A equipe já vinha trabalhando no 014, que nada mais era
do que o 012 de 1984 com adaptações para os motores franceses.
Desta forma, foram mais uma vez com o 012 montados com os Ford
Cosworth aspirados. Mesmo com um déficit de 150 cavalos, ainda
conseguiram um 6º lugar com Bellof no aguaceiro de Portugal e um 4º
em Detroit.
Bellof, Ken Tyrrell e Brundle - San Marino 1985. |
Com o acordo fechado, o contrato foi
assinado e os desenhos foram montados para a Inglaterra para acertar
o novo carro. E como de praxe, foi acordado que o valor que a Tyrrell
pagaria seria transferido para uma conta a ser indicada. E uma vez o
depósito executado, os motores seriam fornecidos. A expectativa é
que o carro teria condições de estrear no GP da França, em julho.
A conta foi informada, o dinheiro
transferido e tudo ok. Agora era uma questão de tempo para o
recebimento dos motores. Mas....
Duas semanas depois, a Tyrrell era
cobrada pela Renault do depósito acordado. Sem ele, não haveria
liberação dos motores. O velho Ken ficou surpreso, pois já havia
feito a transferência. Ao verificar todos os dados, descobriu-se que
a conta informada para a transferência era de...Gerard Toth!
O pandemônio se instalou. Tyrrell
cobrou a Renault o cumprimento do acordo e a montadora queria o
dinheiro. Foi necessário que o velho amigo Guiter, que retornaria o
fornecimento da ELF à equipe inglesa, interviesse para que o
contrato fosse cumprido.
No final, a Tyrrell usou os motores
Renault a partir do GP da França e Toth foi “afastado” da equipe
no final do ano, sendo posteriormente acusado de apropriação
indébita e sido preso. Depois disso, nunca mais se falou nele.
Brundle estreando o 014 na França |
Não foi o primeiro golpe e nem o
último da categoria. Mas todos se espantaram como o “velho” Ken,
tido como astuto, acabou caindo nessa e quase representou o fim da
sua equipe. Mas desta vez, a sorte estava com ele...