Este texto foi motivado por uma
discussão que volta e meia surge nos grupões da internet. Talvez
pela grande superioridade da Williams FW14B, o pessoal não entende
porquê a Mclaren não tenha feito um carro que pudesse competir no
mesmo nível. A coisa chegou a um ponto que em Silverstone, Ron
Dennis declarou que, ao invés de um cronômetro, levaria um
calendário para medir a distância em relação às Williams...
Para os padrões dos anos anteriores,
92 possa ter sido realmente uma lástima. Entretanto, a Mclaren ainda
conseguiu 5 vitórias (3 com Senna e 2 com Berger), mesmo que
considerando as circunstâncias fortuitas que boa parte delas
aconteceu.
Para entender o ano de 1992 da Mclaren, é preciso voltar a 1991.
Após ter vencido as 4 primeiras etapas da temporada, a equipe viu a
Williams suplantar rapidamente a distância e ter uma performance
melhor com uma certa tranquilidade. O FW14 mostrava ser um carro
melhor ajustado e com um Renault V10 tão bom quanto o Honda V12.
Diante da ameaça, a pressão aumentou sobre a Mclaren, Honda e
Shell para recuperarem o tempo perdido. O escopo de trabalho abrangeu
melhorar o carro, motor e combustível, além de desenvolver câmbio
semiautomático e suspensão ativa para um possível uso. O trabalho
frenético deu certo, pois Senna conseguiu virar o jogo a partir da
Hungria e contou com algumas trapalhadas da Williams para vencer o
título.
A batalha foi ganha, mas o longo prazo...
O escritório de
projetos da Mclaren, tocado por Neil Oatley e Henri Durand, no meio
da batalha da temporada de 1991 também teve que realizar o
desenvolvimento do sucessor do MP4/6, o MP 4/7A. O programa do carro
de 1992 previa o uso desde o início do câmbio semiautomático e
suspensão ativa, sendo desenvolvidas em conjunto com a Honda, além
de vários outros apetrechos como controle de tração e um
acelerador sem cabos, chamado de “fly by wire”.
Em paralelo, a
Honda vinha desenvolvendo uma nova versão do seu V12. A idéia era
usar um bloco mais leve e em um ângulo mais aberto do que vinha
sendo utilizado (67º para 75º). Em tese, esta mexida permitiria
reduzir a altura, permitindo um carro com centro de gravidade mais
baixo, e com mais potência. Além de incorporar o sistema variável
de alimentação (VTEC, que depois foi usado nos Civic e Accord)
introduzido na versão 3 (Spec3).
Visando aproveitar a potencia do novo Honda V12, a Mclaren desenvolveu um novo cambio semiautomatico, transversal, com 7 marchas (uma a mais do que a caixa convencional). O sistema apareceu brevemente nos treinos da Alemanha e Hungria de 91, mas por conta da complexidade e confiabilidade, só foi efetivamente considerado para 92.
De acordo com as
observações da dupla Oatley e Durand, o caminho era usar linhas
mais fluidas e fazer um carro com um efetivo “fundo chato”, coisa
que o MP 4/6 tinha um simulacro e que quase todas as equipes usavam até então.
Tal artimanha aumentava dramaticamente a pressão aerodinâmica. Para
tal, a Mclaren fez um investimento junto com seu parceiro de longa
data, a americana Hércules, para introduzir um novo ferramental que
permitisse a confecção de peças tipo “fêmea”, mais
arredondadas.
Mclaren MP4/7A |
Outro aspecto que
o MP4/7A trazia era o fim da “era Barnard” no tratamento da
carroceria. Desde 81, a Mclaren usava uma filosofia de separar a
carroceria do chassi, o que dava uma maior flexibilidade para as
mudanças aerodinâmicas. Desta vez, a equipe usaria a técnica
introduzida em 83 pela ATS de incorporar a carroceria ao chassi,
aumentando a rigidez torcional do chassi.
Por conta do
frenético trabalho ao longo de 91, o foco em 92 veio só no final da
temporada. Desta forma, Ron Dennis e o resto da equipe planejou
que o MP4/6 faria as 3 primeiras etapas da temporada de 92, deixando
a estréia do MP 4/7A para o GP da Espanha, em maio. Parecia uma
decisão bem razoável, já que o carro de 91 terminou como o melhor
do pelotão.
92 começou e a
pré-temporada deixava claro que a Williams era o carro a bater. Os
planos da equipe de Didicot era usar um carro provisório, o FW14B,
que trazia a versão atualizada da suspensão ativa e lançar o FW15
mais à frente.
Enquanto
empacotava as coisas para a primeira etapa do ano, após analisar
todas as informações, a Mclaren antecipou todo o cronograma de
desenvolvimento do MP 4/7A em um mês. Desta forma, uma série de
etapas seriam cortadas e o carro seria estreado no GP do Brasil, em
abril.
Kyalami voltava
ao calendário da Fórmula 1 após 7 anos de ausência e havia
passado por grandes reformas para receber a “categoria máxima”
do esporte. E apesar de todo o esforço, foi um passeio das Williams,
especialmente de Mansell. Senna chegou em um distante terceiro,
fazendo de um tudo para tentar se manter próximo de Patrese. Todos
os alarmes soaram em Woking.
Todo
o pacote ficou pronto logo depois de Kyalami e no dia 11 de março,
em Silverstone, o MP 4/7A veio à pista
pela conduzido por Ayrton Senna. A primeira impressão não foi das
melhores nem por parte da crítica e dos pilotos. Senna resolveu não
dar muitas declarações e os testes restantes foram feitos pelo
piloto de testes, Mark Blundell, que estava anteriormente na Williams
e fez boa parte dos testes da suspensão ativa da equipe em 90 (em
91, correu pela Brabham).
Os
primeiros dados mostravam que o carro tinha problemas de
estabilidade, a
aerodinâmica não funcionava
e o motor Honda RA 122A/B mostrou ter um consumo maior e menos
potência do que a unidade de 1991. O
quadro não era favorável. Isso fica claro no vídeo feito após estes testes iniciais a seguir (em inglês):
A
Mclaren ainda foi para o México com o MP 4/6 e preparava os carros
novos a toque de caixa para o Brasil. Após um discreto 4º lugar com
Berger e um abandono por parte de Senna, após um acidente nos
treinos livres de sexta, era hora de preparar a resposta.
Em
Interlagos, Ron Dennis mostrou seu poderio: Trouxe 90 pessoas, entre
gente da Mclaren e Honda e simplesmente
6 carros à disposição de Senna e Berger: 3 MP4/6 e 3 MP4/7A.
Mas
quantidade não significou qualidade...os dois pilotos se
desdobraram, pulavam alucinadamente de um carro para o outro. Mas
para frustração de todos, inclusive do publico, o melhor conseguido
foi uma segunda fila no grid, com Senna ficando quase 2 segundos
atrás de Mansell.
A
corrida acabou sendo mais decepcionante ainda: Berger saiu para o
grid no MP 4/7A, uma peça cai na Reta Oposta e volta para o box
pegar o carro reserva que estava preparado para Senna. Consegue sair
a tempo de alinhar no grid e ajustar os pedais. Mas o motor não
dispara e tem que largar do box, abandonando 4 voltas depois. Já
Senna larga em terceiro e acaba atacando de “caboclo tranca rua”,
fazendo atrás de si uma fila de 10 carros, com motor e eletrônica
falhando. Após 17 voltas, abandona.
Novos
testes foram feitos para tentar melhorar o carro, mas os resultados
não vinham como o esperado. Para complicar, na Espanha houve a estréia do
Benetton/Ford B192, que mostrou seu potencial com um Michael
Schumacher que vinha mostrando que não era somente um piloto bancado
pela Mercedes.
A
vitória veio somente em condições fortuitas em Mônaco, quando
Mansell, que vinha liderando com tranquilidade, perdeu o controle,
bateu e teve que ir ao box parar para troca de pneus. Senna conseguiu
passar e segurou o inglês nas últimas três voltas ( o final da prova encontra-se a seguir).
Após
isso, Berger ganhou na corrida seguinte no Canadá e deu a esperança
de dias melhores. Mas depois a lógica foi reestabelecida e a
Williams passeou, dando-se ao luxo de deixar o FW15 parado na
fábrica, já que o “provisório” FW14B sobrava na turma.
O
resto do ano foi gasto tentando melhorar o carro e se defender dos
ataques da Benetton. Entretanto, mesmo com todo trabalho feito pela
equipe técnica e a Honda, o MP 4/7A mostrou um crônico problema de
instabilidade traseira e a suspensão ativa, que poderia vir a
resolver o problema, só apareceu nos treinos livres da Hungria e da
Itália. O carro contou ao longo do ano com um sistema de ajuste de altura, com poucos ganhos.
Para completar, o motor Honda continuou com consumo
excessivo, o que exigia carregar mais combustível, prejudicando mais
ainda o desempenho. No final, a Mclaren conseguiu ainda o
vice-campeonato de construtores, com 8 pontos de diferença para
Benetton , mas Schumacher terminou na frente de Senna por 3 pontos,
conseguindo uma vitória convincente na Bélgica.
A
Mclaren acabou por ter um ano bem fraco para seus padrões. E no fim
da temporada, a Honda saiu da Fórmula 1. Entretanto, o ano acabou
servindo para desenvolver a parte eletrônica, bem como o sistema de
suspensão ativa que, numa versão mais simplificada, acabou sendo
usado no MP 4/8, de 1993. Mas aí já é outro texto....
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