domingo, 22 de março de 2020

F1 - CARROS QUE AMAMOS : MCLAREN MP4/1 (Parte I)



Em tempos de coronavírus, vale vir com mais um capítulo da série “Carros que Amamos”. Dessa vez, um carro que tem uma importância grande para a categoria pela parte tecnológica e pelo renascimento de uma marca de importância para a F1 : O McLaren MP4/1.



Na segunda metade da década de 70, a F1 passou por uma de suas viradas tecnológicas mais impressionantes. A introdução do efeito solo de modo efetivo pela Lotus motivou uma mudança total na forma de se pensar um monoposto de corridas. E esta mudança atingiu em cheio os resultados da McLaren.



A equipe inglesa havia se colocado como uma das principais da categoria após os títulos de Emerson Fittipaldi e James Hunt, em 74 e 76. O M23, lançado em 72, permitiu dar o passo definitivo para disputar vitórias. E ao longo de sua atuação, foi incorporando diversos aperfeiçoamentos de modo a continuar no grupo da frente.



Mas em 76, o efeito solo já começava a aparecer, a McLaren resolveu ir a um passo além do M23. Com uma base confiável, o time de projetos comandado por Gordon Coppuck resolveu ir um pouco além: fez o M26, que era uma evolução. Até brincava um pouco com o conceito, mas não totalmente. A intenção era usá-lo a partir da Espanha, quando o novo regulamento fosse introduzido. Mas os resultados não foram bons e o carro só foi usado uma vez por Jochen Mass no GP da Holanda, de forma bem discreta.



Com isso, a vida útil do M23 foi ampliada e Hunt conseguiu seu título. A McLaren ainda começou o ano com ele e trabalhar mais no M26 para 1977. E assim foi feito: o carro ainda permitiu ao inglês 3 vitórias no ano. Mas se tornava imperativo ter um carro com efeito solo para 78 e assim foi feito: o M27 foi concebido.


Hunt e o M26 em 1977. Ainda conseguindo bons resultados. Mas...


Entretanto, o carro foi um malogro total. Ainda se fez uma tentativa de modificar o M26, mas sem sucesso. E começou uma decadência técnica enorme. Em 78, um 8º lugar na tabela de Construtores, com 15 pontos. Em 79, começou com o M28, que mostrou bons dados nos testes de pré-temporada. Só que quando a temporada começou, nada se concretizou e a equipe concebeu em menos de 3 meses o M29, um passo à frente mas não o necessário. Os mesmos 15 pontos e a 7ª posição.



A Phillip Morris, tabaqueira dona da Marlboro, começou a se preocupar com o rumo que as coisas tomavam. A F1 mudava e via a equipe sem condições técnicas de se colocar em condições de lutar pela liderança. Sem contar que via a liderança de Teddy Mayer e Tyler Alexander como a não adequada para o momento. E começou a montar uma estratégia de remontar a McLaren....



Um nome apareceu no horizonte: Ron Dennis. 

Jack Brabham e Ron Dennis: apontando caminhos?


O inglês era um dos exemplos de perseverança no automobilismo: começou como mecânico da Cooper na década de 60 e foi para a Brabham junto com Jack Brabham. O jovem foi mostrando competência e se colocando com maiores responsabilidades. Em 71, resolveu montar a sua própria equipe na F2, a Rondel (em parceria com Neil Trundle) com chassi Brabham. O sucesso veio e animou a tentar entrar na F1 em 74, com o apoio da Motul. Mas a crise do petróleo veio e o projeto miou...Só que o Token foi para a pista, com outros donos.


Eis a Rondel em 71. Ron Dennis é o segundo, da esquerda para a direita



Daí, começou a relação com a Philip Morris: Em 1975, Ron montou uma equipe de F2, a Project 3, para a tabaqueira, para acomodar 2 pilotos equatorianos.. Em 76 e 77, a equipe foi bem e o motivou a expandir para a F2, fundando a Project Four. Com os resultados, Ron Dennis pensou: por que não tentar de novo a F1?



Como havia um relacionamento por conta da F2, Ron bateu na porta da Philip Morris para buscar apoio para a empreitada. A tabaqueira viu a oportunidade...



A esta altura, a McLaren penava com o M29C e o carro tinha um problema terrível de suspensão e preparação. Sem contar que o desempenho era muito abaixo do esperado. Ainda tentaram uma cartada com um carro novo, o M30. Um tal de Alain Prost o pilotou nas últimas 4 provas, obtendo um 6º lugar na Holanda. Mas não passou disso. O máximo que a equipe conseguiu foram 2 quartos lugares com John Watson.
Um tal Alain Prost em seu primeiro ano...aqui, na Holanda com o M30


Após um estranhamento inicial e muita conversa, um acordo foi feito em setembro de 1980. Com as bençãos de John Hogan, Presidente da Phillip Morris, foi feita a fusão da Project Four com a McLaren Racing, dando origem à McLaren Internacional. Ron Dennis assumiu uma parte da nova empresa, em conjunto com Tyler Alexander e Teddy Mayer (remanescentes da McLaren).



Apresentação da McLaren International em 1980: John Barnard, Ron Dennis, Teddy Mayer, Tyler Alexander e Creigton Brown

 Um personagem importante aparece nesta hora: o engenheiro John Barnard. Ele começou sua carreira na Lola e esteve na própria McLaren em 72, onde trabalhou nos projetos do M23 e do M16 da Indy. Fez o seu nome nos Estados Unidos ao projetar o vencedor Chaparral 2K para Jim Hall, que venceu a Indy 500 de 1980. Em paralelo, prestou consultoria para a construção do HR100 de Hector Rebaque, que passou pela F1 em 1979 sem brilho algum.



Ron Dennis o convenceu a trabalhar no projeto de seu F1. O nome de Barnard havia sido sugerido à McLaren, mas não houve qualquer ação neste sentido. Com a criação da McLaren International, o inglês veio para a estrutura, como responsável pelo escritório de projetos.

Barnard, Mayer e Dennis seguram a maquete do MP4/1



Barnard pensou em um carro moderno e que colocasse a McLaren de volta ao pelotão da frente. E em suas pesquisas, viu que, graças às grandes forças geradas pelo efeito solo, o ideal seria usar outros materiais para a confecção do chassi e a resposta era fibra de carbono e kevlar.



Não era algo desconhecido para a categoria. Algumas peças já eram usadas, mas os chassis usavam alumínio, molibidênio e o honeycomb (alumínio disposto em forma de colméia). A pressão aerodinâmica era tanta que o chassi não tinha torção para aguentar, o que prejudicava o desempenho (o Fittipaldi F6 teve sua grande falha neste sentido). Para resolver, as equipes usavam reforços, o que trazia mais peso.



A fibra de carbono com o kevlar era a dupla completa: um material leve, mas que aguentava a pressão aerodinâmica gerada. Dennis e Barnard procuravam algum lugar para construir este chassi na Inglaterra, sem sucesso. Peter Wright, da Lotus, também caminhava nesta solução, principalmente após o malogro do Lotus 80, mas esbarrava na questão financeira.



A solução foi encontrada nos Estados Unidos. A Hercules Aerospace, sediada em Utah, se mostrou à disposição de atender a McLaren. Com um cheque em branco dado pela Phillip Morris, fecharam acordo. Os desenhos eram enviados por Barnard da Inglaterra e construidos em Salt Lake City sob a orientação de um tal de Steve Nichols. Uma vez feitos, os painéis eram enviados de volta para a Inglaterra para montagem. Neste processo, Nichols acabou se juntando à equipe McLaren.



Em 05 de março de 1981, a imprensa era convidada a comparecer em Silverstone para ver aquele que era então o mais caro carro de F1 feito até então. O MP4/1 (M de McLaren e P4 de Project Four) chamou a atenção por ser um monoposto elegante e bem acabado, embora seguisse a linha de colocar o piloto bem à frente e laterais altas para aproveitar ao máximo o fundo do carro para o efeito-solo.



Além disso, mostrou soluções interessantes além de ser o primeiro chassi inteiramente feito em fibra de carbono e kevlar. A economia de peso era impressionante e permitia trabalhar bastante com a distribuição de peso. Outra curiosidade era que a caixa de câmbio era fornecida pela Tyrrell....



A sacada estava embaixo da carroceria : monocoque em fibra de carbono e kevlar

Para pilotar, foi um jogo de quebra-cabeças. John Watson, que estava com a equipe desde 1979, era uma das escolhas. A permanência foi bancada por Teddy Mayer e Tyler Alexander. O jovem francês Alain Prost foi cogitado para permanecer, mas havia perdido a confiança na equipe após tantos problemas de confiabilidade (Prost perdeu o GP dos Estados Unidos em Long Beach porque havia se contundido por uma batida ocasionada por uma falha de suspensão) e aceitou o convite para se juntar à Renault.



A Phillip Morris insistia por um nome de peso, mas poucos estavam disponíveis. Mas uma solução estava à mão: o filho do distribuidor italiano da empresa, Andrea de Cesaris, estava disponível. Havia ganho o vice-campeonato de F3 inglesa em 1979 e obtido um 5º lugar na F2 em 1980 pela equipe de Ron Dennis, a Project Four. A Marlboro apoiava bastante a carreira do menino e aceitou a escolha...

De Cesaris em ação na F3 inglesa.


A pressão era grande. Na apresentação, John Hogan, presidente da Phillip Morris, candidamente falou a Ron Dennis e John Barnard: é melhor que este carro vença. Barnard respondeu que o carro venceria pelo menos uma vez naquele ano.



A McLaren levou para a Africa do Sul os revisados M29 na versão F. Mas com a briga FOCA x FISA, a corrida não foi válida e o campeonato começou efetivamente em Long Beach. Dado o tempo curto, o único carro MP4/1 pronto ficou com Watson, enquanto De Cesaris ficava com o velho M29F. Aí, Watson teve uma série de problemas com alimentação e refrigeração e acabou correndo também com o M29F. Largaram no fim do pelotão e não fizeram mais do que 16 voltas.



Optaram por não levar o carro novo para o Brasil, de maneira a testá-lo um pouco mais. E reapareceu 15 dias depois na Argentina, mais uma vez com Watson. Conseguiu o 11º lugar no grid e chegou a andar entre os seis primeiros, mas a caixa de câmbio e deixou na mão e abandonou no meio da prova...



Em San Marino, um segundo MP4/1 estava pronto mas...para Watson. Dennis e Barnard não confiavam em De Cesaris e ainda usava o M29F. Diante de seu publico, conseguiu chegar em 6º lugar, marcando o primeiro ponto da equipe na temporada. Acabou sendo o seu único no ano...


De Cesaris e o M29F em Imola: único ponto do ano



As coisas pareciam complicadas. Na Bélgica, Watson ainda conseguiu um sétimo lugar. Em Mônaco, pela primeira vez os dois pilotos tinham o carro novo à disposição, a despeito da desconfiança com o italiano. E ele justificou se envolvendo em um acidente logo na primeira volta com Prost e Andretti. Watson andou nos pontos até a volta 53, quando o motor quebrou.



A pressão aumentava interna e externamente. Muita gente punha dúvida no sucesso do projeto, incluída aí a Phillip Morris, que tinha sido a garantidora de tudo. Ron Dennis já era um festival de tiques nervosos, enquanto John Barnard vinha trabalhando em uma série de melhorias. Novas saias e fundo, bem como dutos de freios revisados, foram introduzidos a tempo do GP da Espanha.



E as coisas começaram a melhorar. Watson fez parte do grupo que brigou até o final pela vitória, no trem puxado por Villeneuve e conseguiu um terceiro lugar. Na corrida seguinte, na França, mesmo com a interrupção, Watson obteve um segundo lugar. Parecia que o investimento valia a pena...




A confirmação veio no GP seguinte, na Inglaterra: Watson e De Cesaris alinharam na 3ª fila. De Cesaris abandonou logo na 3ª volta para evitar bater em Villeneuve. Enquanto Watson caiu para o sétimo lugar, quase também foi colhido pelo canadense, mas veio subindo, se aproveitando de abandonos e do bom desempenho do carro. Até que 8 voltas antes do fim, chegou na Renault de Arnoux, que tinha o motor falhando a várias voltas, e assumiu a liderança. 4 anos depois, a McLaren voltava a vencer, trazendo alívio a todos e fazendo Ron Dennis cumprir a promessa feita a John Hogan...



O momento de glória e alívio...


Após esta vitória, Watson ainda conseguiu dois sextos lugares e um segundo no Canadá. Já De Cesaris conseguiu comprovar a resistência do chassi em incontáveis batidas ao longo do ano, o que era uma das dúvidas dos céticos era a resistência do chassi de compósito. Se bem que Watson bateu fortemente em Monza, destruindo totalmente o carro.

Testando a resistência: a icônica foto da batida de De Cesaris na Holanda


O ano encerrava com 28 pontos e o 6º lugar do Campeonato de Construtores. 1982 vinha pela frente e mais passos seriam, dados rumo à liderança. Mas isso é conversa para outro texto...


4 comentários:

  1. Que beleza de texto! Entrei na história como se eu estivesse nela. Confesso q gargalhei na parte dos tics nervoso do Ron hahahah , Ron sendo Ron. Parabéns que maravilha de história. Aguardando ansiosa a parte 2

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  2. Texto leve, de fácil leitura, rico em detalhes interessantes. Cheguei aqui pela parte II que saiu e agora vou para lá para não perder a sequência. Parabéns.

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