Tão logo Valtteri Bottas
quase parou sua Mercedes 77 na volta 25 do GP da Rússia para que
Lewis Hamilton ficasse à sua frente, um misto de revolta e decepção
veio através do público que acompanha a Fórmula 1.
Uma repetição da
Áustria 2002 se materializava diante de todos. Ross Brawn deve ter
visto uma filme passar em sua frente enquanto se sentava ao lado de
Vladmir Putin na tribuna de Sochi. Esqueçam a corrida de Leclerc,
Max Verstappen e até mesmo a ultrapassagem de Hamilton sob Vettel.
Tudo ficou esquecido pela decisão da Mercedes.
O que se questiona não
são as ordens de equipe. Estas são mais antigas do que andar para
frente e são corriqueiras não só no automobilismo, mas em outros
esportes, como o ciclismo. Até foi tema de coluna ontem aqui (eis o
link). No caso da Mercedes, a opção por favorecer Hamilton era
totalmente defensável e lógica.
Mas precisava ser do
jeito que foi? Como dito, o ganho pela troca de posições era de 7
pontos. Além disso, até os tatuís das praia de Sochi (será que
tem mesmo tatuí em Sochi?) sabem que Hamilton é um piloto melhor e
mais completo do que Bottas e poderia ganhar a posição
tranquilamente. Ou ainda, vá lá, fazer de modo mais “disfarçado”,
em um trabalho de box ou até mesmo numa simulação de
ultrapassagem, com o uso do DRS.
Mas mesmo com toda a
situação, imagine só a Ferrari fazendo isso. Quantas vezes ela
apelou para este estrategema, sendo uma delas até este
ano(Alemanha)? Soa até curioso ouvir Vettel chamar a decisão da
Mercedes de “sem cérebro”.
E deixemos de hipocrisia:
a Fórmula 1 nunca foi “politicamente correta”. Ao longo de sua
história, várias atitudes tomadas mostram que nem sempre o
“correto” e “altivo” era levado em consideração. Por anos,
correu na África do Sul com o país adotando uma política de estado
de segregação; vendeu sua alma para correr em países sem tradição
por conta de dinheiro e outras coisas. Sem contar as trocas de
posição. Uma situação desta lembra um ladrão que roubou a vida
toda, foi furtado e agora tem a chance de posar como paladino da moral e dos bons costumes.
Pouco adiantam agora as
declarações “arrependidas” e “pesarosas” de Toto Wolff e
Lewis Hamilton e uma bela foto da equipe com os troféus trocados
entre o inglês e Bottas. O estrago está feito e manchará a
história da 70º vitória de Hamilton e o agora muito provável
quinto título. Pensar que a Mercedes já foi uma “baluarte” da
defesa da disputa entre pilotos da mesma equipe.
Como agora a nova dona da
categoria se preocupa (um pouco) com a imagem perante ao público,
alguma ação deve ser tomada. Lá atrás, após Áustria 2002, o
regulamento passou a proibir as ações descaradamente deliberadas.
Daí então, as equipes passaram a usar outros meios (um exemplo foi
o famoso “Multi 21” da Red Bull), mas as ordens prosseguiram.
Provavelmente, teremos mais um exemplo de “vamos mudar tudo para
continuar a mesma coisa”.
O fã da Fórmula 1 quer
disputas sinceras. Aí está o núcleo do objetivo do espectador e
tudo gira em torno disso. Quando até isso se põe em dúvida, todos
os alicerces do prédio trincam e podem colapsar. Encenações podem
até acontecer, mas o excelentíssimo público quer uma atuação digna de Oscar.
E não um pastelão de quinta categoria como o hoje de Sochi.