segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Senna 30


Preferi escrever hoje para escapar da enxurrada de postagens que surgirão amanhã. O que tem de especial o dia 30 de outubro? Neste dia, 30 anos atrás, Ayrton Senna vencia o GP do Japão e conquistava seu primeiro título.

Este escriba iniciou ainda no 90 Goals uma série chamada “Senna Campeão 88” contando como foi cada corrida da temporada (até o GP da Hungria) e mostrando o que foi a campanha do brasileiro. E uma série de outras iniciativas estão sendo organizadas, incluindo a exibição na íntegra do GP pelo Sportv.

1988: um ano diferente

88 foi um ano emblemático por vários motivos: primeiro, era o último ano dos motores turbo. A partir de 89, a Fórmula 1 seria totalmente aspirada. E dentro da regulação estipulada, os motores turbinados teriam mais restrições ainda para nivelar as corridas: A válvula reguladora de pressão teve sua calibração reduzida de 4 para 2,5bar e os tanques de combustível foram reduzidos de 195 para 150 litros. Os aspirados não tinham limitação e ainda eram 40 kg mais leves.

Pelo lado das equipes, grandes modificações: a Williams, então a grande dominadora, perdia os motores Honda e engrossava a armada aspirada, bem como a Benetton com um exclusivo Ford Cosworth V8. A Brabham deixava a categoria por um tempo. A Lotus anunciava a contratação de Nelson Piquet por um caminhão de dinheiro. A Ferrari optou por investir no carro que terminou em grande forma a temporada 87 e focar no projeto aspirado para 89, capitaneado por John Barnard. E a McLaren recebia os motores Honda e tinha um novo piloto para ladear o bi-campeão Alan Prost: o brasileiro Ayrton Senna.

À esta altura, Senna era considerado um piloto de talento, um futuro campeão. Aos 28 anos, o brasileiro ia para a sua quinta temporada e via a ida para a McLaren como a sua grande chance de confirmar as expectativas colocadas em seus ombros. A Lotus parecia pequena naquele momento para ele e a escolha parecia acertada. Ainda mais tendo um piloto como Alain Prost a seu lado.

Sabia-se que certamente estariam no grupo da frente. Além de usar os motores Honda, a equipe contava com uma forte equipe técnica e a mão firme de Ron Dennis no comando. Os resultados na pré-temporada mostravam que estariam na briga. Mas com a apresentação do MP4/4 nos últimos testes em Ímola, Prost e Senna se cacifaram como os principais caçadores do grupo.

McLaren MP 4/4 - o dominador

McLaren/Honda : o dominador

E isso ficou claro no Brasil, onde os dois dominaram a corrida com certa facilidade. A Williams mostrou alguma resistência nos treinos e a Ferrari, que era tida como a favorita, decepcionou. Senna fez a pole mas teve problemas na largada com o câmbio. Trocou de carro após o prazo e foi desclassificado. Prost venceu a primeira.

Em San Marino, o domínio foi ainda maior: As McLaren colocaram TRÊS segundos sobre o terceiro colocado na classificação, que usava o mesmo motor (Piquet na Lotus). E Senna igualou o placar com Prost.

A seguir, veio Mônaco e o que seria um passeio do brasileiro no Principado, configurado desde a classificação, quando foi um segundo e meio mais rápido do que Prost, se tornou um pesadelo. Faltando 12 voltas para terminar a corrida e quase um minuto à frente de Prost, Senna bateu de frente na Portier. Ali, ele reconheceu que foi seu grande ponto de viragem no ano.

A maré parecia a favor de Prost após a vitória no México. A visão de que Senna seria um escudeiro para o francês e uma opção de futuro para a equipe vinha se cristalizando. Embora se jurasse de pés-juntos que não havia prioridade para nenhum piloto na equipe.

A partir do Canadá, Senna conseguiu virar o jogo: a partir dali foram 6 vitórias em 7 corridas (Canadá, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Hungria e Bélgica. Prost venceu na França, abandonou na Inglaterra e chegou em segundo nas restantes). A situação ficou tão favorável que Prost, após o GP da Bélgica, reconheceu que Senna seria o campeão daquele ano.

Título sob ameaça

E a coisa caminhava para isso. Na Itália, seria mais um passeio. Mas os motores Honda começaram a ser acometidos por problemas e foi pedido à Senna que reduzisse o andamento. Nisso, as Ferrari foram se aproximando e ao tentar ultrapassar Jean Louis Schelesser na primeira chicane, faltando poucas voltas, o brasileiro bateu e ficou preso na zebra. Monza foi à loucura com Berger e Alboreto nas primeiras posições, semanas depois da morte de Enzo Ferrari. Seria a única derrota da McLaren na temporada.

Portugal e Espanha vieram na sequência e Prost venceu, recuperando terreno. Senna teve problemas com seu carro nestas duas provas e chegou a se alegar que a Honda teria “mexido os pauzinhos” para que a decisão fosse no Japão. Ainda em Portugal, a primeira faísca da rivalidade entre Senna e Prost se acendeu: ao final da primeira volta, Prost fez um movimento para ultrapassar Senna e o brasileiro o jogou contra o muro da reta principal. O francês o passou e depois da prova, foi reclamar.

Com as duas vitórias de Prost e com Senna obtendo somente um 6º e um 4º lugar, a decisão foi para Suzuka, “quintal” da Honda. Como o regulamento previa o descarte dos cinco piores resultados, Senna precisava de uma vitória simples que levaria o campeonato. Prost precisava vencer e que Senna fizesse outra péssima corrida para levar a decisão para a Austrália.

Suzuka: arena da decisão

Nos treinos, Senna marcou sua 12ª pole no ano (seriam 13 na temporada) e se colocou em posição privilegiada para conquistar a vitória e o campeonato. Nada poderia dar errado. Tudo parecia conspirar a favor. Mas complicou.

Ao apagar a luz vermelha e acender a verde, a marcha não entrou. Todo o esforço parecia ir por água abaixo. Os carros iam desviando e graças a um pequeno declive, a McLaren 12 ia andando lentamente. Até que pegou no tranco. A esta altura, Prost ia na frente e Senna ficava em um distante 16º lugar. O tempo nublado de Suzuka ficou mais carrancudo...

A partir daquele momento, não era mais simplesmente uma corrida de automóveis. Mas sim um homem indo em busca do seu destino. Muitos dirão: “Ah, mas a McLaren era melhor do que o resto. Não fez mais do que a obrigação”. Ok, era um ponto de vista defensável. Mas como diria aquele comercial, potência não é nada sem controle.

Senna saiu em um ataque imparável, recuperando posições. Lembrando o que John Watson havia dito sobre o brasileiro anos antes, era como se piloto e máquina fossem uma coisa só. E em 11 voltas, estava na terceira posição.

À esta altura, Prost liderava sendo acossado por...Ivan Capelli, numa March/Judd. Prost vinha controlando o andamento pelo consumo e também pela chuva que caía fracamente. Não servia para encharcar, mas deixava a pista um pouco escorregadia. Capelli chegou a assumir a liderança por 300 metros, mas o motor expirou. E aí restaram frente a frente os dois protagonistas do ano.

Prost controlando a situação e Senna atacando. A diferença se mantinha e quando a garoa apertou, Senna aproveitou para se aproximar. E na 27ª volta, aproveitando a chegada dos retardatários, o brasileiro pega o vácuo e ultrapassa Prost na reta principal.

Prost ainda tentou lutar, mas a chuva voltou a aparecer e Senna abriu. E depois de 51 voltas, o brasileiro cruzava a linha de chegada em primeiro lugar e assim conquistava o campeonato. Era a coroação de um esforço de anos. A emoção foi plena e um peso foi retirado das costas.



Ainda houve o GP da Austrália, onde se cumpriu tabela com Prost vencendo. Senna ficou em segundo com o desempenho prejudicado pelo fato de ter uma luxação no braço por conta de uma brincadeira futebolística. Mas não fazia diferença no quadro.

Foi o primeiro dos três títulos que Senna conquistou. Serviu para colocar o brasileiro no jogo dos principais pilotos da categoria, retirar o rótulo de “promessa” que ainda carregava e escrever uma das grandes páginas de sua história. Definitivamente, Senna entrava no clube dos campeões.

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