Em tempos de
coronavírus, vale vir com mais um capítulo da série “Carros que
Amamos”. Dessa vez, um carro que tem uma importância grande para a
categoria pela parte tecnológica e pelo renascimento de uma marca de
importância para a F1 : O McLaren MP4/1.
Na segunda metade da
década de 70, a F1 passou por uma de suas viradas tecnológicas mais
impressionantes. A introdução do efeito solo de modo efetivo pela
Lotus motivou uma mudança total na forma de se pensar um monoposto
de corridas. E esta mudança atingiu em cheio os resultados da
McLaren.
A equipe inglesa havia
se colocado como uma das principais da categoria após os títulos de
Emerson Fittipaldi e James Hunt, em 74 e 76. O M23, lançado em 72,
permitiu dar o passo definitivo para disputar vitórias. E ao longo
de sua atuação, foi incorporando diversos aperfeiçoamentos de modo
a continuar no grupo da frente.
Mas em 76, o efeito
solo já começava a aparecer, a McLaren resolveu ir a um passo além
do M23. Com uma base confiável, o time de projetos comandado por
Gordon Coppuck resolveu ir um pouco além: fez o M26, que era uma
evolução. Até brincava um pouco com o conceito, mas não
totalmente. A intenção era usá-lo a partir da Espanha, quando o
novo regulamento fosse introduzido. Mas os resultados não foram bons
e o carro só foi usado uma vez por Jochen Mass no GP da Holanda, de
forma bem discreta.
Com isso, a vida útil
do M23 foi ampliada e Hunt conseguiu seu título. A McLaren ainda
começou o ano com ele e trabalhar mais no M26 para 1977. E assim foi
feito: o carro ainda permitiu ao inglês 3 vitórias no ano. Mas se
tornava imperativo ter um carro com efeito solo para 78 e assim foi
feito: o M27 foi concebido.
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Hunt e o M26 em 1977. Ainda conseguindo bons resultados. Mas... |
Entretanto, o carro foi
um malogro total. Ainda se fez uma tentativa de modificar o M26, mas
sem sucesso. E começou uma decadência técnica enorme. Em 78, um 8º
lugar na tabela de Construtores, com 15 pontos. Em 79, começou com o
M28, que mostrou bons dados nos testes de pré-temporada. Só que
quando a temporada começou, nada se concretizou e a equipe concebeu
em menos de 3 meses o M29, um passo à frente mas não o necessário.
Os mesmos 15 pontos e a 7ª posição.
A Phillip Morris,
tabaqueira dona da Marlboro, começou a se preocupar com o rumo que
as coisas tomavam. A F1 mudava e via a equipe sem condições
técnicas de se colocar em condições de lutar pela liderança. Sem
contar que via a liderança de Teddy Mayer e Tyler Alexander como a
não adequada para o momento. E começou a montar uma estratégia de
remontar a McLaren....
Um nome apareceu no
horizonte: Ron Dennis.
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Jack Brabham e Ron Dennis: apontando caminhos? |
O inglês era um dos
exemplos de perseverança no automobilismo: começou como mecânico
da Cooper na década de 60 e foi para a Brabham junto com Jack
Brabham. O jovem foi mostrando competência e se colocando com
maiores responsabilidades. Em 71, resolveu montar a sua própria
equipe na F2, a Rondel (em parceria com Neil Trundle) com chassi
Brabham. O sucesso veio e animou a tentar entrar na F1 em 74, com o
apoio da Motul. Mas a crise do petróleo veio e o projeto miou...Só
que o Token foi para a pista, com outros donos.
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Eis a Rondel em 71. Ron Dennis é o segundo, da esquerda para a direita |
Daí, começou a
relação com a Philip Morris: Em 1975, Ron montou uma equipe de F2,
a Project 3, para a tabaqueira, para acomodar 2 pilotos
equatorianos.. Em 76 e 77, a equipe foi bem e o motivou a expandir
para a F2, fundando a Project Four. Com os resultados, Ron Dennis
pensou: por que não tentar de novo a F1?
Como havia um
relacionamento por conta da F2, Ron bateu na porta da Philip Morris
para buscar apoio para a empreitada. A tabaqueira viu a
oportunidade...
A esta altura, a
McLaren penava com o M29C e o carro tinha um problema terrível de
suspensão e preparação. Sem contar que o desempenho era muito
abaixo do esperado. Ainda tentaram uma cartada com um carro novo, o
M30. Um tal de Alain Prost o pilotou nas últimas 4 provas, obtendo
um 6º lugar na Holanda. Mas não passou disso. O máximo que a
equipe conseguiu foram 2 quartos lugares com John Watson.
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Um tal Alain Prost em seu primeiro ano...aqui, na Holanda com o M30 |
Após um estranhamento
inicial e muita conversa, um acordo foi feito em setembro de 1980.
Com as bençãos de John Hogan, Presidente da Phillip Morris, foi
feita a fusão da Project Four com a McLaren Racing, dando origem à
McLaren Internacional. Ron Dennis assumiu uma parte da nova empresa,
em conjunto com Tyler Alexander e Teddy Mayer (remanescentes da
McLaren).
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Apresentação da McLaren International em 1980: John Barnard, Ron Dennis, Teddy Mayer, Tyler Alexander e Creigton Brown |
Um personagem
importante aparece nesta hora: o engenheiro John Barnard. Ele começou
sua carreira na Lola e esteve na própria McLaren em 72, onde
trabalhou nos projetos do M23 e do M16 da Indy. Fez o seu nome nos
Estados Unidos ao projetar o vencedor Chaparral 2K para Jim Hall, que
venceu a Indy 500 de 1980. Em paralelo, prestou consultoria para a
construção do HR100 de Hector Rebaque, que passou pela F1 em 1979
sem brilho algum.
Ron Dennis o convenceu
a trabalhar no projeto de seu F1. O nome de Barnard havia sido
sugerido à McLaren, mas não houve qualquer ação neste sentido.
Com a criação da McLaren International, o inglês veio para a
estrutura, como responsável pelo
escritório de projetos.
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Barnard, Mayer e Dennis seguram a maquete do MP4/1 |
Barnard pensou em um
carro moderno e que colocasse a McLaren de volta ao pelotão da
frente. E em suas pesquisas, viu que, graças às grandes forças
geradas pelo efeito solo, o ideal seria usar outros materiais para a
confecção do chassi e a resposta era fibra de carbono e kevlar.
Não era algo
desconhecido para a categoria. Algumas peças já eram usadas, mas os
chassis usavam alumínio, molibidênio e o honeycomb (alumínio
disposto em forma de colméia). A pressão aerodinâmica era tanta
que o chassi não tinha torção para aguentar, o que prejudicava o
desempenho (o Fittipaldi F6 teve sua grande falha neste sentido).
Para resolver, as equipes usavam reforços, o que trazia mais peso.
A fibra de carbono com
o kevlar era a dupla completa: um material leve, mas que aguentava a
pressão aerodinâmica gerada. Dennis e Barnard procuravam algum
lugar para construir este chassi na Inglaterra, sem sucesso. Peter
Wright, da Lotus, também caminhava nesta solução, principalmente
após o malogro do Lotus 80, mas esbarrava na questão financeira.
A solução foi
encontrada nos Estados Unidos. A Hercules Aerospace, sediada em Utah,
se mostrou à disposição de atender a McLaren. Com um cheque em
branco dado pela Phillip Morris, fecharam acordo. Os desenhos eram
enviados por Barnard da Inglaterra e construidos em Salt Lake City
sob a orientação de um tal de Steve Nichols. Uma vez feitos, os
painéis eram enviados de volta para a Inglaterra para montagem.
Neste processo, Nichols acabou se juntando à equipe McLaren.
Em 05 de março de
1981, a imprensa era convidada a comparecer em Silverstone para ver
aquele que era então o mais caro carro de F1 feito até então. O
MP4/1 (M de McLaren e P4 de Project Four) chamou a atenção por ser
um monoposto elegante e bem acabado, embora seguisse a linha de
colocar o piloto bem à frente e laterais altas para aproveitar ao
máximo o fundo do carro para o efeito-solo.
Além disso, mostrou
soluções interessantes além de ser o primeiro chassi inteiramente
feito em fibra de carbono e kevlar. A economia de peso era
impressionante e permitia trabalhar bastante com a distribuição de
peso. Outra curiosidade era que a caixa de câmbio era fornecida pela
Tyrrell....
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A sacada estava embaixo da carroceria : monocoque em fibra de carbono e kevlar |
Para pilotar, foi um
jogo de quebra-cabeças. John Watson, que estava com a equipe desde
1979, era uma das escolhas. A permanência foi bancada por Teddy Mayer
e Tyler Alexander. O jovem francês Alain Prost foi cogitado para
permanecer, mas havia perdido a confiança na equipe após tantos
problemas de confiabilidade (Prost perdeu o GP dos Estados Unidos em
Long Beach porque havia se contundido por uma batida ocasionada por
uma falha de suspensão) e aceitou o convite para se juntar à
Renault.
A Phillip Morris
insistia por um nome de peso, mas poucos estavam disponíveis. Mas
uma solução estava à mão: o filho do distribuidor italiano da
empresa, Andrea de Cesaris, estava disponível. Havia ganho o
vice-campeonato de F3 inglesa em 1979 e obtido um 5º lugar na F2 em
1980 pela equipe de Ron Dennis, a Project Four. A Marlboro apoiava
bastante a carreira do menino e aceitou a escolha...
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De Cesaris em ação na F3 inglesa. |
A pressão era grande.
Na apresentação, John Hogan, presidente da Phillip Morris,
candidamente falou a Ron Dennis e John Barnard: é melhor que este
carro vença. Barnard respondeu que o carro venceria pelo menos uma
vez naquele ano.
A McLaren levou para a
Africa do Sul os revisados M29 na versão F. Mas com a briga FOCA x
FISA, a corrida não foi válida e o campeonato começou efetivamente
em Long Beach. Dado o tempo curto, o único carro MP4/1 pronto ficou
com Watson, enquanto De Cesaris ficava com o velho M29F. Aí, Watson
teve uma série de problemas com alimentação e refrigeração e
acabou correndo também com o M29F. Largaram no fim do pelotão e não
fizeram mais do que 16 voltas.
Optaram por não levar
o carro novo para o Brasil, de maneira a testá-lo um pouco mais. E
reapareceu 15 dias depois na Argentina, mais uma vez com Watson.
Conseguiu o 11º lugar no grid e chegou a andar entre os seis
primeiros, mas a caixa de câmbio e deixou na mão e abandonou no
meio da prova...
Em San Marino, um
segundo MP4/1 estava pronto mas...para Watson. Dennis e Barnard não
confiavam em De Cesaris e ainda usava o M29F. Diante de seu publico,
conseguiu chegar em 6º lugar, marcando o primeiro ponto da equipe na
temporada. Acabou sendo o seu único no ano...
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De Cesaris e o M29F em Imola: único ponto do ano |
As coisas pareciam
complicadas. Na Bélgica, Watson ainda conseguiu um sétimo lugar. Em
Mônaco, pela primeira vez os dois pilotos tinham o carro novo à
disposição, a despeito da desconfiança com o italiano. E ele
justificou se envolvendo em um acidente logo na primeira volta com
Prost e Andretti. Watson andou nos pontos até a volta 53, quando o
motor quebrou.
A pressão aumentava
interna e externamente. Muita gente punha dúvida no sucesso do
projeto, incluída aí a Phillip Morris, que tinha sido a garantidora
de tudo. Ron Dennis já era um festival de tiques nervosos, enquanto
John Barnard vinha trabalhando em uma série de melhorias. Novas
saias e fundo, bem como dutos de freios revisados, foram introduzidos
a tempo do GP da Espanha.
E as coisas começaram
a melhorar. Watson fez parte do grupo que brigou até o final pela
vitória, no trem puxado por Villeneuve e conseguiu um terceiro
lugar. Na corrida seguinte, na França, mesmo com a interrupção,
Watson obteve um segundo lugar. Parecia que o investimento valia a
pena...
A confirmação veio no
GP seguinte, na Inglaterra: Watson e De Cesaris alinharam na 3ª
fila. De Cesaris abandonou logo na 3ª volta para evitar bater em
Villeneuve. Enquanto Watson caiu para o sétimo lugar, quase também
foi colhido pelo canadense, mas veio subindo, se aproveitando de
abandonos e do bom desempenho do carro. Até que 8 voltas antes do
fim, chegou na Renault de Arnoux, que tinha o motor falhando a várias
voltas, e assumiu a liderança. 4 anos depois, a McLaren voltava a
vencer, trazendo alívio a todos e fazendo Ron Dennis cumprir a
promessa feita a John Hogan...
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O momento de glória e alívio... |
Após esta vitória,
Watson ainda conseguiu dois sextos lugares e um segundo no Canadá.
Já De Cesaris conseguiu comprovar a resistência do chassi em
incontáveis batidas ao longo do ano, o que era uma das dúvidas dos
céticos era a resistência do chassi de compósito. Se bem que
Watson bateu fortemente em Monza, destruindo totalmente o carro.
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Testando a resistência: a icônica foto da batida de De Cesaris na Holanda |
O ano encerrava com 28
pontos e o 6º lugar do Campeonato de Construtores. 1982 vinha pela
frente e mais passos seriam, dados rumo à liderança. Mas isso é
conversa para outro texto...